Velhice

O caminho de vivacidade e cultura de Tânia Carvalho

Uma voz tem som, timbre e sotaque e nos remete a familiaridade. Uma voz representa alegria, conhecimento e cultura. Também traz a gargalhada e o tom amigo. Uma voz manifesta vivacidade e personalidade marcante. E pode trazer referências de nossa própria história. Para uma geração de gaúchos, uma voz também representa um nome e uma pessoa memorável: Tânia Carvalho.

Jornalista por vivência e coração, Tânia atuou como comunicadora por mais de 40 anos. Foi a primeira apresentadora do Jornal do Almoço na antiga TV Gaúcha, além de âncora de diversos programas de televisão e de rádio. A menina que disparava para atender o telefone sempre teve a comunicação correndo nas veias. “Alô, aqui é 842, casa das Teixeira de Carvalho.”

Leitora voraz e capricorniana com ascendente em capricórnio e lua em leão, é – nas suas palavras – bem exibida. Em sua casa, no bairro Moinhos de Vento em Porto Alegre, encontrou a tranquilidade para caminhar pelas ruas, cuidar das plantas, organizar a biblioteca e as obras de arte e receber filhos e netos. Este é, no entanto, um sossego que nunca refletiu nem reflete a sua alma que gosta de mudança e de agito por natureza.

Liberdade de ser quem é

Nos últimos anos, Tânia adotou a liberdade de ser quem acredita que é, especialmente frente ao espelho. Assumiu os cabelos brancos e abraçou a própria jornada. “Estou feliz assim. Vivi uma vida tão boa, plena e maravilhosa. Me deixem, né?”, declara com as brincadeiras e leveza que lhe são habituais.

Segundo ela, a velhice é a libertação. “O velho pode tudo. É uma coisa maravilhosa. Posso tudo hoje aos meus 77 anos. Assim como deixei o meu cabelo branco, porque queria me ver livre da tintura e da raiz, voltei a ser quem eu sempre fui. Com a minha cor natural, com o meu jeito”, declara. A vontade de assumir a própria identidade e, ao mesmo tempo, se diferenciar dos demais com naturalidade.

Tânia nasceu em Bagé, na manhã do dia de Natal em 1942. E cresceu numa casa só de mulheres, entre tecidos, aviamentos e máquinas de costura. “As minhas tias costuravam e a minha mãe fazia bolsas, chapéus e bordava sapatos para a exposição da cidade, a grande festa dos fazendeiros”, explica.

Tânia não conheceu o pai. A mãe se apaixonou pelo funcionário do Banco do Brasil em Bagé, casaram e logo veio a gravidez. Mas também apareceu um problema no horizonte: ele já era casado com uma moça em outro estado brasileiro. Ameaçado de morte, fugiu. “Eu sempre levei isso assim na boa. Morei com minha mãe, minha avó e oito tias. Aí uma se casava, outra se casava. Uma casou, e voltou depois a morar com a gente. Era uma família. Uma casa cheia de alma. Sabe?”, ressalta.

Estou feliz assim. Vivi uma vida tão boa, plena e maravilhosa. Me deixem, né?

Passou a adolescência em Porto Alegre. Finalizou os estudos e assumiu o cargo de secretária em um curso de inglês. Fazia de tudo: desde a montagem das exposições até o contato com os artistas. A cultura sempre esteve próxima de seu cotidiano. Aos 19 anos, antes de ingressar na universidade, conheceu o ator Geraldo Del Rey. Em 1963, casou-se e foi morar em São Paulo. Foi trabalhando na editora Abril que despertou a sua paixão pelo jornalismo.

Quatro anos depois, nasceu Fabiano e o casamento naufragou. No início da década de 1970, Tânia estava de volta a Porto Alegre e aceitou o convite de Célia Ribeiro para apresentar o Jornal do Almoço.

Em 1981, depois de um breve namoro, casou-se com o médico Felício Medeiros dos Santos e ficou grávida do segundo filho. “Quando o Diogo nasceu, nos casamos em Gramado. Tem uma foto lindíssima do casamento que integrou até uma exposição da Célia Ribeiro. E assim vivemos, até hoje, felizes”, comenta. Conhecida pela imprensa e no meio cultural, Tânia se encantou porque Felício é uma pessoa normal. “Um ser humano, médico de Pelotas, organizado, superfamília”. E, claro: como Tânia, também capricorniano. É a organização, a solidez e a estrutura de uma vida que construíram e seguem construindo juntos.

Jornada de aprendizados e conquistas

Da jornada de conquistas e convivência, guarda algumas saudades, como a do amigo Tatata Pimentel, a quem chamava de “irmão”. Uma presença constante em sua vida desde a década de 1970 e colega de televisão, que faleceu em 2012. “Nunca fiz faculdade. E eu falava para o Tatata: ‘Preciso fazer, não é possível que eu me cobre tanto’. E ele me respondia: ‘Carvalho, tu tens que dar aula. Já é formada, isso sim’”, relembra.

O caminho, que segue a passos lentos, tem obstáculos. É claro. O mais recente foi uma queda que rendeu um hematoma no joelho esquerdo. “Estava descendo do palco do concerto Zaffari de Natal e não vi o último degrau da escada.” O machucado ainda incomoda a vó que quer voltar a caminhar e se atirar com os netos no chão da sala para brincar e fazer bagunça.

Aos 77 anos, Tânia tem três netos: Marina (14), Bernardo (9) e Francisco (3) e sente-se realizada. “Me sinto bem. Me olho no espelho e digo ‘Ah, tá bem, hoje está bonita e tal’. Tem dias que eu me olho e digo ‘não quero gravar nada, hoje eu não quero nada. E me permito”, confessa. A alma ainda vibra quando fala sobre livros, arte, planos e, em especial, a rotina ao lado de Felício. Estar velha, como ela mesma diz, não é um problema. Com seu encanto peculiar, Tânia convida a velhice para um chá. E ensina como as coisas podem continuar a ser divertidas. Basta descontração, um bom papo e assuntos interessantes que rendam por horas e horas. Disso Tânia entende como ninguém.

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