Conheça a história das duas mães de Antônia, Manoela e Anelise. O casal homoafetivo que enfrentou o desafio da maternidade em uma sociedade que ainda caminha a passos lentos na inclusão das novas configurações familiares.

A fisioterapeuta Manoela Meneghetti de Araújo, 42 anos, conta que teve dificuldades para encontrar uma escola para a filha. Não, a pequena Antônia, um ano e quatro meses, não tem nenhuma necessidade especial. É que Antônia é filha de duas mães. Manoela casou-se com a advogada Anelise Doumid Damasceno, 47, há 11 anos, e a menina é parte de um projeto de vida em comum do casal. A busca por uma escola que acolhesse a configuração familiar da menina foi uma das pedras que o atraso e o preconceito da sociedade soltaram pelo caminho das duas mães. Nada de desvios, nada de chutar para o lado. Manoela e Anelise encararam os percalços de frente e conseguiram encontrar uma instituição de ensino à altura do que almejam para a filha. Mas isso depois de muito desapontamento com a falta de preparo das redes de ensino para receber famílias homoafetivas.

– Há escolas que nunca receberam um casal homoafetivo e ainda tentam comparar com casos de mães solo. Muitas teriam de se reconstituir, mas nem fazem questão disso. É impressionante – lamenta Anelise.

A pouca inclusão nas escolas é uma das carências que Manoela e Anelise sentiram na pele quando decidiram ser mães. No entanto, não foi a primeira, tampouco elas têm a esperança de que seja a última nessa jornada de lutar pelo direito de terem uma família e realizar o sonho da maternidade. Anelise sempre quis ser mãe, gestar. Manoela não chegava a ser uma entusiasta da gestação, mas também não descartava a possibilidade de ser mãe, quem sabe adotar uma criança. Com a relação mais sólida e vendo a turma de amigos tendo filhos, a ideia de maternar foi ganhando força. Nunca o tema teve caráter impositivo, e o casal foi aos poucos se apropriando de informações sobre tratamentos e inseminação artificial, já que Manoela, à época, tinha 38 anos, e Anelise, 42 anos, idades em que engravidar já não é algo tão simples. Buscaram um doador de sêmen e fizeram todas as avaliações médicas exigidas e chegou-se à conclusão de que se combinaria os óvulos de Manoela com os espermatozóides do doador e Anelise gestaria. 

Nas inúmeras consultas – na primeira tentativa de gravidez não houve sucesso e, em seguida, a pandemia exigiu adiar o plano – a dupla não usa de falsa modéstia e assegura que era o casal mais feliz nas clínicas, muito por conta do que, acreditam, os homens convivem com o receio de serem considerados inférteis quando acessam esses locais.

Nessa época, já surgiam as primeiras situações embaraçosas para quem ousa ser feliz fora dos padrões estabelecidos. Anelise seria mãe. Manoela seria mãe e, com a chegada de Antônia, formariam uma família.

– Aí eu já vi a dificuldade de dizer que eu seria mãe. Como eu seria mãe se nem grávida eu estava? Como eu diria isso aos meus pacientes? Como os pais da Ane receberiam a neta? A Ane fez uma reunião familiar e só contou sobre a gravidez na 13ª semana. Nem sei se alguém entendeu até hoje – diz Manoela.

No momento do parto, mais evidências de que ainda há muitas limitações no atendimento a casais homoafetivos. No hospital, a todo o momento Anelise tinha de sinalizar que Manoela também era mãe, e que o bebê que estava por vir teria duas mães e não um pai e uma mãe. Manoela usou “roupa de pai” para ficar ao lado da companheira no bloco cirúrgico. Não raro, Anelise tinha de corrigir enfermeiras e técnicas de enfermagem na abordagem da família.

– Diante de todo esse processo, essa foi uma parte que teve mais impacto. Eu tinha de dizer toda hora que a Antônia não tinha pai, mas duas mães. A gente tem de se estruturar para educar as pessoas – relembra Manoela.

Os perrengues das duas mães não pararam por aí. Na hora de registrar, organizar documentação, carteiras de vacinação e outros papéis, elas também depararam com a falta de inclusão. Para registrar o nascimento da filha, buscaram informações de cartórios mais avançados, que já atuam considerando as novas configurações familiares. Não que isso tenha reduzido a burocracia de levar uma papelada sem fim para provar a filiação, mas ajuda no acolhimento. Por conta da profissão, Anelise é muito atenta a essas questões e nota que em muitos documentos ainda se usa as definições de pai e mãe e não filiação, que englobaria mais modelos familiares. É ela que também tomou a frente em fazer perguntas fundamentais às escolas, como a maneira que comemoravam Dia dos Pais e Dia das Mães. Aparentemente, são detalhes, mas são nesses detalhes que mora a inclusão ou a falta dela. 

O casal reconhece que houve avanços na sociedade quanto ao reconhecimento das relações homoafetivas, mas os passos sociais são lentos. Por conta disso, as mães se empenham em construir um ambiente familiar em que amor e respeito formam o principal elo entre as três. O papel que ambas querem assumir é de reconstruir e modificar não de entrar num embate contra o sistema. A educação de Antônia, ressaltam, será a herança para que ela possa enfrentar as pedras no caminho com firmeza.

– Vamos fortificá-la dentro de casa. Tenho muito orgulho da nossa relação e da nossa família – diz Manoela.

– A Antônia já é um bebê empoderado – completa Anelise.

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