O livro de cabeceira da minha geração
Afinal, o que mudou na cabeça das mulheres desde a publicação de Complexo de Cinderela, há quatro décadas?
Muito pouco. Na prática, sim, na vitrine do mundo feminino, fomos para o mercado de trabalho, estamos mais ativas em nossas escolhas; já decidimos se queremos ter filhos ou não. Se queremos casar ou ficar livres desse “compromisso”. Sim, o casamento, para a mulher, é trabalho. Segundo a escritora Iara De Dupont, casamento é um bom negócio para os homens.
Mas, então, para que trazer um livro da década de 1980 se já mudamos tanto?
A questão é que muitas de nós, muuuuuitas!, SENTIMOS muito parecido com as mulheres que serviram de base para esse livro.
No livro, Colette Dowling nos diz como o autoboicote é uma prática diária do universo feminino. Para ir para a vida e lutar como uma mulher, ainda é preciso dar muitas voltas para trás. Quando se está quase lá, a gente tropeça nos próprios pés. E tem que fazer o caminho de novo.
Eu escolhi não casar de papel passado. Achava que a minha turma de feministas dos tempos da faculdade me seguiria, pois era o que se falava em nosso grupo. Discutíamos o papel da mulher na sociedade, não só no Brasil, mas em outros lugares do mundo. Lembro de um sábado à tarde, quando analisávamos como era tratada a mulher no governo de Samora Machel, em Moçambique. Mas, todas, sem exceção, foram de branco para a igreja e assinaram os papéis nos cartórios. O argumento variava de “é o sonho dos meus pais” até “minha avó disse que vai ter um enfarte e se ofereceu para pagar a festa”. Ok, cada uma com suas escolhas. Mas, o que isso diz? Que, na hora “H”, a gente volta atrás e sonha, utopicamente, voltar à luta. Daqui um tempo. Ah, dá um tempo!
Voltando ao livro:
Mas, as mulheres das atuais gerações postam a alegria de ter o anel no dedo, do casamento lindo, com aquele homem que “nos salvará até que a morte nos separe”. Sim, já andamos muito. Mas, aqui dentro de nós, o que realmente SENTIMOS? Saindo da vitrine da mulher resolvida para o consumo interno.
Ah, e os pais que chamam as meninas recém-nascidas de “princesinhas”? O que é ser uma princesa? Esperar o beijo do príncipe? Ou o sapatinho de cristal? Ou fazer o caminho oposto, “não preciso de ninguém e eu me basto”?
São questões. Também tenho minhas dúvidas e já vivi muito. Mas dói ver um sistema que não espera quase nada de nós combinado com a reprodução de tudo que já vivi há décadas: AINDA temos medo, vergonha de ocupar espaços. Ainda estamos coniventes com passividade, dependência, autoestima rebaixada. Ah, estou copiando trechos do livro, tá? Porque, para descobrir-se uma pessoa adulta, é preciso conseguir lidar com a ansiedade do processo de crescimento. Crescer é abrir mão de qualquer posição de conforto. É partir para o confronto de si mesma. Assumir-se como dona de sua vida, de seus desejos. E bancá-los!
A ideia aqui é: até quando vamos cumprir as expectativas de uma sociedade que coloca a mulher, ainda, como cidadã de segunda classe, mesmo anunciando o empoderamento feminino nas campanhas de publicidade, por exemplo? Qual é o nosso papel em alimentar esse processo?
Quando vamos olhar, silenciosamente, para o espelho e ver que somos, nós também, responsáveis por essa posição?
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