Divisão de contas e tarefas domésticas: surge um novo homem?

O ano é 2024. E os homens que algumas mulheres escolheram para viver mostram que diferentes arranjos familiares são não só possíveis mas bem-vindos por ambos. A mudança vem na esteira de muito cansaço feminino de carregar nas costas a casa, os filhos, as tarefas domésticas e a profissão. 
Divisão de contas e tarefas domésticas

“Ser um homem feminino não fere meu lado masculino”, cantava Pepeu Gomes nos longínquos anos 1980. É possível?

O ano é 2024. E os homens que algumas mulheres escolheram para viver mostram que diferentes arranjos familiares são não só possíveis mas bem-vindos por ambos. A mudança vem na esteira de muito cansaço feminino de carregar nas costas a casa, os filhos, as tarefas domésticas e a profissão. 

Em um mundo mais complexo, tem coisa nova por aí. Conversamos com 4 mulheres que relatam suas experiências com seus companheiros, dividindo o serviço em casa, a educação das crianças e as contas: tem dado certo para elas, para eles, e serve de inspiração.

 

“Eu fico responsável pelas decisões estratégicas da casa”

O relato de Ana Carvalho, 35 anos, sobre como deixou o Brasil grávida, reforça sua autodefinição, de ser uma pessoa muito determinada. Relações públicas e social media, ela é casada com Diego, de 35 anos, com quem tem a filhinha Olivia, de 1,5 ano, nascida em Lisboa, Portugal. Ana conseguiu a cidadania portuguesa e se mudou de São Paulo, onde vivia com o marido comediante. Não era exatamente o plano inicial: desejava ser nômade digital e viajar trabalhando pela Europa, mas criou com Diego um arranjo familiar diferente. Ele dá todo o suporte, cuida da casa e de Olivia, cozinha, dá banho na bebê enquanto ela trabalha em home office.

“No início, quando a Olivia precisava mamar o tempo inteiro, eu fazia mais quebras na minha rotina. Agora que ela não mama tanto, o Diego tá colocando ela pra dormir. E sim, a função dele é alimentar, trocar a olivia, ele faz praticamente todas as trocas de fralda do dia. Ele faz comida quase todos os dias também. A limpeza da casa a gente meio que faz juntos, no fim de semana, e compras na maioria das vezes sou eu que faço, mas é equilibrado. Às vezes ele faz, quando falta alguma coisa. As compras maiores ficam comigo, eu fico responsável pelas decisões estratégicas da casa, de como a gente vai gastar nosso dinheiro, e ele fica em casa cuidando. Ele trabalha aos finais de semana, à noite”, diz.

Ana passou por momentos duros no pós-parto, quando teve que ficar longe da mãe e do marido, em uma sala de parto com cerca de 6 mulheres desconhecidas e sem poder ir pra casa, sem leite, e o bebê chorando. “Tive um surto em vez de estar feliz pela minha filha, chorei quando soube que teria que ficar mais dois dias por conta da icterícia da Olivia. Eu não tinha condições psicológicas de estar ali”, conta.

Com o marido junto, Ana pode contar que ele dá força, é um pai que tem jeito com criança.

“Ele ajudou a cuidar da sobrinha desde que era bebezinha, então sempre soube lidar com a Olívia muito melhor do que eu, que fui total de primeira viagem, nunca tinha tido contato com bebê, com criança. Ele já tinha. Eu sou totalmente focada no trabalho e ele gosta de cuidar de criança, de cuidar da casa. Nosso match deu certo. É equilibrado, não tem discussão quanto a isso, a gente não briga sobre responsabilidades, acho que conseguimos encontrar um meio termo. Acho que a gente tem uma realidade que talvez seja um pouco diferente… Enfim… Essa é nossa realidade”.

Mas nem sempre é assim: “Várias vezes já pensei que gostaria de inverter papéis, de não ter essa responsabilidade de colocar o dinheiro pra dentro de casa, uma coisa que é uma responsabilidade muito grande. Várias vezes eu penso que a minha rotina poderia ser mais agradável, mais leve se a minha responsabilidade fosse cuidar da Olívia e ser somente mãe. Mas não sei se realmente ia aguentar. Provavelmente se o Diego trabalhasse o dia inteiro, tivesse um trabalho fora, algo assim, provavelmente a Olivia estaria numa creche agora pra eu poder trabalhar também”.

 

 

“Não me vejo sendo somente mãe 100% do meu dia”

Meu nome é Erineia Silva, tenho 47 anos, sou esposa, mãe, contadora e empresária. Estou casada há 10 anos com Jorge Vieira, 50 anos, capelão, baker business e atleta amador. Temos um casal de filhos, uma adolescente de 15 anos, a Luiza, e o Jorginho de 8 anos, com TEA [transtorno do espectro autista]”. 

Esta é a família que a própria Erineia considera atípica por dois fatores: ter um diagnóstico e um pai dono de casa, uma família em que todos se complementam, têm uma rotina dividida, que não pesa mais para um lado. 

 “Nosso dia a dia é um trabalho em equipe, não tem uma regra específica. Se ele leva as crianças pra escola, já agilizo um café pra nós dois quando ele volta, organizo a casa, roupa para lavar, vejo o que tem pra fazer de almoço e reviso minha agenda de trabalho. Depois disso, ele me leva para o escritório e isso é algo que a gente não abre mão. Estamos sempre juntos nas coisas. E muitas vezes ainda fica um pouco no escritório, tomamos um chimas e ele volta já pra cuidar a função de buscar as crianças da escola, almoço e rotina da tarde, porque às vezes precisa estender uma roupa, levar o filho em suas atividades escolares e terapêuticas. E  enquanto isso eu sigo no escritório. No final do dia ele me busca, faz o nosso lanche, jantar, dá banho no guri e faz ele dormir porque eu estou cansada”. 

Erineia conta que os cuidados com os filhos são diferentes. Há a filha adolescente, de 15 anos, que já faz suas escolhas, e Jorginho, que é autista nível de suporte 2, não verbal 100%, que tem uma rotina bem agitada no dia a dia. “Muitas  vezes é necessário sair de casa para passear, cuidar da higiene. Porém, por mais que ele passe boa parte do tempo com o pai, em questão de educação sou mais exigente, para que entenda seus limites”, diz, lembrando que nos últimos tempos ajustou a agenda para ir no escritório duas vezes na semana e o restante trabalhar em home office.  

“Sinceramente, desde muito cedo eu sempre me imaginei trabalhando e exercendo o meu papel de mãe. Depois que tive minha filha, aos 32 anos, já tinha uma certa mentalidade do que queria pra mim. Não me vejo sendo somente mãe 100% do meu dia. Se fosse, com certeza arrumaria algo a mais pra fazer. Mas não julgo quem é mãe 100% do dia, são escolhas.”

“A única coisa que todas precisam entender é viver bem com suas escolhas. Caso não esteja feliz, vá atrás, mas não dá jamais para deixar de executar o papel de mãe com excelência. Acredito que esse é o primeiro chamado de uma mulher, é através da sua maternidade, casa, família que verá se vai ser uma grande empresária, por exemplo. Pois é dentro de uma casa que se aprende muito sobre gestão, economia, e equipe”, completa Erineia.

 

 

 

“Ele aprendeu que não existe homem feministO, o que existe, são homens comprometidos em fazer um mundo melhor e mais equalitário”

Alexandra Zanela, 43 anos, e Sergio Canarim, 44, moram na mesma casa há dez anos e têm 12 anos de relacionamento. Ela é jornalista e empresária, ele é empresário, escritor e advogado. Sem filhos humanos, têm duas gatas – a PimPim e a Pimpona, que são os amores do casal. 

Alexandra é feminista, estuda o tema, palestra sobre este assunto, que está presente em todos os momentos do casal. 

“Sergio mudou radicalmente nesses 12 anos de relacionamento. Quando nos conhecemos, tinha ainda muitos pensamentos machistas, por mais que sempre se entendeu como um homem progressista e que é contra o machismo. Mas expunha um problema da nossa sociedade: ninguém se acha machista, mas quando olhamos mais de perto, o machismo se mostra em frases ditas corriqueiramente, em pensamentos herdados e simplesmente replicados. Hoje, ele tem um bom entendimento sobre gênero, sabe quando deve somente ouvir, estuda e procura se informar, sem demandar que eu o ensine. E ele aprendeu que não existe homem feministO, o que existe, são homens comprometidos em fazer um mundo melhor e mais equalitário”, diz Alexandra, para adentrar ao tema “divisão de tarefas”.

Ela relata que é dividido entre os dois. Alexandra cuida da parte da limpeza, roupas e administra a ajudante do lar. Sergio é responsável pela alimentação, é quem cozinha as refeições feitas em casa, que são em sua maioria à noite, e aos fins de semana, onde sempre tentam unir a comida com o relacionamento, momento em que cuidam da casa, das gatas, diminuem o ritmo (por vezes insano, dizem) da semana de trabalho. Sergio também é quem descarta o lixo diariamente. 

“A decisão se deu por afinidade. Sergio cozinha melhor do que eu, e ele gosta. Já na limpeza, ele não tem muita habilidade, eu sim. A decisão veio na esteira do posicionamento nas minhas questões de gênero: uma bandeira que carrego comigo há pelo menos 15 anos, dividir com equidade é o que acredito, e, para isso, é preciso entender as habilidades de cada um para que as rotinas do dia a dia não sejam ainda mais pesadas. Na questão financeira, tudo é dividido 50/50. 

As combinações, entretanto, às vezes escapam. Alexandra se sente confortável quando ela é cumprida. O que mais a irrita é a bagunça que Sergio faz para cozinhar. “Esta ainda é uma das maiores lutas nesta questão dos afazeres domésticos. Mas sempre conversamos e cada um expõe os seus descontentamentos de maneira clara, tentamos não deixar acumular indisposições para que algo pequeno não se torne grande”, diz. “Sergio também fica confortável pois gosta da parte da cozinha, faz com amor nossas refeições, ao mesmo tempo em que sabe que não tem muita prática na limpeza”, complementa.  

Para Alexandra, poderia melhorar a iniciativa de Sergio em fazer as coisas de casa, tirando a comida, precisa ser provocado para isso. Como exemplos, cita: colocar as roupas sujas no cesto separadas por cores, colocar as coisas em seus lugares etc. Para Sergio, Alexandra poderia melhorar em ser mais calma em alguns momentos, especialmente os de crise. 

E como Alexandra vê a relação? “Eu acredito no amor como algo extraordinário, transformador – desde que as duas – ou quantas pessoas forem – estejam comprometidas e cumpram o que eu chamo de ‘contratos da relação’. A responsabilidade afetiva é fundamental para uma relação saudável. O início do nosso relacionamento foi um pouco conturbado, com ambos quebrando os contratos, e isso causou algumas dores que precisaram de atenção para serem curadas. E isso se dá pelo diálogo franco, por vezes num tom acima do que seria o ideal, mas tentamos sempre conversar e expor o que estamos sentindo. A terapia ajuda muito – fazemos há mais de uma década. Tenho no Sergio um ponto de equilíbrio, ele é calmo, medita diariamente; eu sou agitada, enérgica e, por conta disso, me estresso mais”” 

 

 

“Nem é divisão de tarefas, é uma cumplicidade”

Mãe de Marina, 17 anos, e Antônio, 13 anos, a engenheira química e empresária Gracineli Taborda, de 53 anos, é casada com o engenheiro de minas Fabricio Zaniboni, também de 53 anos. Ela não mede palavras para contar como, desde antes do casamento, de quando ainda morava sozinho, Fabricio sabe dominar uma casa. “Ele sempre fez as tarefas, e nem é divisão, é uma cumplicidade. Se um não consegue fazer, o outro faz depois. Não tem aquela cobrança. Isso, claro, a gente conquistou depois de muito tempo”. 

 

A cumplicidade que tem com o marido se reproduz na relação com os filhos, que também se revezam nas tarefas. “E mais, se o Fabricio não conseguir  fazer a tarefa que normalmente é dele, vou lá e faço, porque normalmente vai chegar o momento que eu não vou conseguir e ele vai me dar suporte. Isso funciona bem lá em casa”.

A questão financeira é igualmente bem resolvida, meio a meio. “Teve momentos que eu ganhei mais e consegui pagar mais e assim a gente levava. Agora ele paga mais”.

É mais nessa linha que vivemos. Ele trabalha em casa, faz home office desde a pandemia, o almoço fica com ele e desde a pandemia a gente resolveu almoçar em casa. Acho que isso faz toda a diferença na nossa família, é um momento que a gente senta os quatro e um olha no olho do outro, conversa. Então, as refeições a gente preza para fazer em casa. E não posso deixar de dizer que o Fabricio é extremamente incentivador da minha profissão. Ele sempre diz ‘vai, que eu toco aqui em casa'”. 

 

 

 

Texto escrito por Tatiana Bandeira @tbandeira

Leia as outras entrevistas da Fala Feminina aqui.

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