Vida

#ElasFazem ComAsMãos

Transformar frutas em flores, pedras em estrelas coloridas, garimpar o que a natureza oferece, criar prazer sensorial fazendo tilintar todos os sentidos. Da boca. Ao olfato. À imagem hipnotizante.

Agora, junta tudo isso e  transforma em negócios que envolvem produção, emprego, oferta e demanda, preços, custos, processo, cronômetros de vendas, busca de eficiência,  de tendências e, à noite, ir dormir com a cabeça cheia de pensamentos difusos. Misturados em ideias e angústia sobre o futuro. Subir aos céus e ao inferno em um turno. Para tudo terminar no olhar gozoso de quem usufrui e se joga nesse lugar efervescente das mulheres empreendedoras.

Quem promove, cuida e abre caminhos são três mulheres que têm muito em comum, embora não se perceba em um primeiro olhar.

Carla Pernambuco, Eliana Colognese e Valeria Delabary.  Entre as mesas do Carlota, restaurante que tem seu lugar marcado na história da gastronomia paulistana, Carla criou  filhos, casou, viajou, escreveu livros, fez programas de TV e continua enlevando uma miríade de apaixonadas por suas criações. Eliana Colognese dançou um dobrado para juntar pedras  da vida e transformar em joias premiadas e que adornam orelhas e pescoços de mulheres exigentes. Já Valeria Delabary com seu Liebe.im. Kuchen seguiu o coração e largou uma promissora carreira para sentir nas mãos a textura do damasco e outras frutas secas sendo lapidados e se transformarem em obras de arte.

Em comum? Elas trabalham  direto com as mãos, com a leveza e a força necessária para lapidar sentimentos.

Quem quer empreender vai levar  lições de ouro dessas três mulheres gigantes. Boa Leitura!

Fátima Torri, editora

“Cozinhar me move diariamente”

Carla Pernambuco já trabalhou como atriz, jornalista e produtora. Tinha trinta e poucos anos quando decidiu mudar de carreira e se tornar cozinheira. Criou o Carlota, bistrô que há quase três décadas faz sucesso em São Paulo, no Higienópolis. Publicou dez livros, apresentou programas de TV, assina linha de produtos no mercado e segue criando novidades. Como ela equilibra tudo isso com a vida familiar, o marido e os três filhos? É uma receita só dela.

Selecione uma ótima herança gastronômica

Ela nasceu em Porto Alegre, na Beneficência Portuguesa, em 13 de novembro de 1959. Neta de grandes cozinheiras, desde cedo conheceu certos mistérios das panelas. “Estive na cozinha da Dona Nair Nunez, a castelhana, avó paterna, de Salto, no Uruguai. Ela fazia massas e doces como ninguém, uma bueníssima cocinera! Meu avô paterno, Olintho, tinha um porão de pedra onde curava copa, salames, linguiças e queijos. Moravam em um sítio na cidade de Santa Maria da Boca do Monte, criavam galinhas soltas, tinham uma horta sortida, era uma farra passar as férias no casarão. A avó materna, Dona Nely, era de Bagé, cosmopolita, urbana. Família Mazzini, éramos muito próximas, mulher dinâmica, implacável, morou no Rio e em Salvador. Depois, voltou a Porto Alegre. Foi com ela que aprendi a fazer mocotó, dobradinha, bife de fígado acebolado, espinhaço de ovelha, raviólis de espinafre com miolos e iguarias sem fim. Essa foi uma boa mistura”, percebe Carla.

Misture com múltiplos interesses

“Cresci um pouquinho mais e me fascinei pelas artes cênicas, pela comunicação, estudei no DAD e na Fabico”, diz, fazendo referência ao Departamento de Arte Dramática e à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Furiosa, “de faca na bota”, como dizem os gaúchos, Carla já foi produtora da peça Tangos & Tragédias, mudou-se para Brasília, foi atriz, e morou ainda no Rio de Janeiro e em São Paulo antes de embarcar para Nova York, onde investiu na sua formação gastronômica e teve suas primeiras experiências profissionais em restaurantes. De volta para São Paulo, criou o Carlota. Desde então, são quase 27 anos à frente do próprio negócio, sempre no mesmo endereço. Ela já teve filial no Rio e foi sócia em outro restaurante, mas escolheu diminuir de tamanho e buscar mais simplicidade.

“Deixei a vida me levar e, sim, sou a pessoa que sonhei ser, multifacetada. Sou chef de um time e cozinheira”. Enquanto a falta de iniciativa e a acomodação a deixam enlouquecida, ela afirma: “O que me faz continuar e me fascina é o realizar. Eu gosto de quase tudo quando bem feito. Só não curto comida gordurosa”, ressalta. “Há 30 anos, ser chefe empreendedora foi meu diferencial. Eu sou do tipo que manda brasa e mete bronca, sem ficar reclamando da falta de espaço ou de dificuldades. Ser mulher é muito bom, somos capazes de tudo, temos múltiplas habilidades, começando por alimentar nossos filhos. Sou fã do aleitamento materno”, declara.

Adicione três filhos

“Fiz teatro nos palcos gaúchos, trabalhei como relações públicas, assessora e produtora. Casei aos 21 e virei mãe da Floriana aos 22”, resume ela. Carla também é mãe de Felipe, 30 anos, e Julia, 25. “Floriana (hoje com 39) é artista e ativista da biodiversidade, uma fortaleza doce. Felipe é único, ama games, uma pessoa especial. Julia é cantora e designer na mesma proporção, adora moda e tem um bom gosto inconfundível”, descreve a mãe coruja. Sobre os pedidos dos filhos na cozinha, ela revela: “Pedem tudo! Panquecas, brownies, ovo mexido, um cabelinho de anjo, sanduíches, canja da mamma”.

Amor e admiração são ingredientes essenciais

Há 33 anos, ela é casada com Fernando Pernambuco. O fotógrafo carioca foi quem apresentou Nova York, Paris e Milão para Carla. “A história do meu amor pelo Fernando é sui generis. Ele veio ser hóspede na minha casa e nunca mais saiu”, recorda ela, e completa: “Ele é demais, são 33 anos de admiração”. Questionada sobre quais comidas a chamam para o amor, ela elenca: “Para o amor, comidas leves, um bom vinho gaúcho, branco e gelado, as frutas frescas, a época dos pêssegos me encanta, uvas, pitangas, entre outras”.

Junte tudo com pitadas de mãe

“Minha mãe dizia que minha melhor qualidade é a generosidade. E mãe sabe”, ela diz com saudade. “Estou me recuperando de um final de ano turbulento. Perdi minha mamma”, conta. A mãe é Marlene Canarim Danesi, fonoaudióloga falecida em dezembro passado aos 86 anos. Segundo Carla, seu apoio como avó foi fundamental para a chef alçar seus próprios voos. Agora, ela tenta lidar com as dores da perda sem deixar de ter esperança: “A vida chama e vamos em frente”, reitera.

Raízes enriquecem o sabor final

“O Rio Grande do Sul é um celeiro precioso, terroir da serra, da campanha, do litoral. Eu conheço o Estado do avesso e sou apaixonada pela terrinha, pelas paisagens, o clima e as pessoas”, ela afirma. Toda essa bagagem lhe rendeu uma parceria: recentemente, Carla foi escalada para fazer a curadoria do cardápio do 1835 Carne e Brasa, restaurante inaugurado em outubro no Kempinski Laje de Pedra, em Canela.

“Fiz a consultoria completa do 20Barra9, que é um case de sucesso. Aí me chamaram para o 1835.

Adoro um mate, quente ou na versão chá gelado. Sou doida por um bom ‘churras’, um janelão de costela de longo cozimento, umas cebolas assadas temperadas, farinha crua de mandioca, doce de abóbora em calda. Cuca de uva, de maçãs, de banana ou goiabada”, conta a chef.

Deixe cozinhar no calor da curiosidade

Nesses tempos de pandemia, Carla não perdeu tempo. Para manter o restaurante vivo, já em março de 2020 ela se lançou no mercado de delivery, lançando o Carlota Very Deli. O resultado? Foi finalista no ranking da revista Veja São Paulo, em 2021, na categoria de entregas.

Carla não sossega, nem mesmo após o cateterismo ao qual teve que se submeter há pouco mais de três anos. Como consegue? “Minha curiosidade é o combustível necessário”, ela revela.

Pedras no caminho? Ela as transforma em joias!

Eliana Colognese é uma mulher corajosa e criativa. Designer de joias, ela se destaca pela utilização de materiais inusitados. Inventa moda, reaproveita, transforma relíquias de família em peças que promovem autoconfiança e beleza. Enquanto cria sozinha a filha Antônia, de nove anos, ela ressignifica a própria história e ainda ensina a outras mulheres o caminho das pedras.

“Sou Eliana Júlia Colognese, 45 anos, divorciada, mãe da Antônia, e uma corajosa mulher que se desafia todos os dias na tarefa de ser mãe solo e empreendedora. Em 2018, minha história de vida virou um capítulo em um livro sobre empreendedorismo, e mal sabia eu que meus maiores desafios viriam depois disso”, ela começa. Mas, calma! Melhor voltarmos lá no início, em uma cidadezinha do norte gaúcho, a mais de 300km da capital.

Criatividade desde as primeiras brincadeiras

“Nasci no interior de uma pequena cidade chamada Chapada. Filha de agricultores descendentes de italianos, eu conciliava os estudos com as obrigações de filha mais velha, cuidando da casa, ajudando na criação dos dois irmãos e na lavoura. Restavam apenas os domingos, após a reza, para as brincadeiras”, ela diz. Como a família produzia o necessário para o próprio sustento, às crianças cabia a criatividade para inventar brinquedos. “Assim, espigas de milho viravam bonecas, os retalhos de tecidos e botões viravam roupas e acessórios”, recorda ela.

Vocação para a arte

“Aos sete anos, vivi uma fase encantadora. Meus pais e minha professora perceberam que eu era muito afinada ao cantar, e isso provocou uma grande mudança na nossa vida simples”, relata Eliana. Com muita determinação, seus pais, apesar de todos os desafios, conseguiram proporcionar aulas de violão à filha. “Onde morávamos, só havia como estudar até a quinta série e, depois disso, as crianças seguiam ajudando nas lavouras. Pois lá fui eu, a caminhar 14km a pé todos os dias, até chegar na cidade para estudar. Depois de um tempo, várias sacas de soja se transformaram numa bicicleta”, relembra. Quando chegou o transporte escolar, muitas crianças conseguiram voltar a estudar, mas Eliana já vinha cantando e conquistando prêmios em festivais de que participava.

“No ano seguinte, quando nos mudamos para a cidade, tudo ficou mais fácil. Ingressei no coral da igreja, no coral municipal, ajudei a fundar um coral só de meninas e iniciei aulas de canto com um maestro de Carazinho, cidade vizinha. Apesar de todo o apoio que recebia, fazer música não era uma opção viável para meus pais, principalmente pelo medo de deixar uma filha ‘se aventurar pelas estradas e palcos’. Além disso, não tinham condições de bancar uma faculdade”, recorda. Após dez anos dedicados à música, Eliana não sabia o que fazer, mas sonhava em estudar e mostrar que era possível ir mais longe. “Para quem vivia da agricultura naquela época, sonhar com algo diferente da realidade deles era até motivo de deboche. Não havia incentivo”, lamenta.

Esperança de crescimento em Porto Alegre

Tempos mais tarde, ela foi trabalhar na Radiologia de um dos hospitais da Ulbra, em Porto Alegre. “Ainda lembro daquela entrevista. A resposta que eu tinha sobre minhas qualificações era sempre a mesma: ‘Não sei, mas eu aprendo’! Eu queria isso com todas as minhas forças”, conta. Após ser transferida para a área administrativa da universidade, Eliana aproveitou os descontos a que tinha direito como funcionária para iniciar a faculdade dos sonhos de sua mãe: Psicologia. “Mas a inexistência de espaço para a arte começou a cobrar seu preço e, assim, minha primeira crise de depressão surgiu. Achei que poderia sentir pela Psicologia o que sentia pela música: amargo engano”, admite.

Retorno à arte a partir de miçangas

Após adoecer, Eliana percebeu que estava fugindo de sua essência. “Numa tarde em que passava diante de uma loja de complementos para montagem de bijuterias, segui um impulso e entrei. Naquele dia, descobri as miçangas! Elas me reaproximaram de mim mesma, me senti viva, resgatei a arte de criar e a vida voltou a ter cor! As miçangas se tornaram uma fonte de renda mas, acima de tudo, foram o degrau que me levaria a uma reviravolta”, diz. Apesar do medo do julgamento e da decepção que causaria, ela contou aos pais sua decisão: trancar o curso de Psicologia, com seus quase sete semestres concluídos, e iniciar o de Design de Produto. Mais tarde, ela migrou para Design de Joias e Acessórios.

Mesmo sem apoio, doendo pra caramba, lá fui eu, e me graduei em 2009. Foi meu Trabalho de Conclusão que me fez empreender com joias afetivas. Fui a primeira designer brasileira a contar em uma coleção a história dos imigrantes italianos que vieram ao Rio Grande do Sul. Ela se chamava Caminhos de Pedra, e ousei substituir as tradicionais gemas brasileiras por basalto, uma rocha vulcânica, encontrada nas encostas da Serra Gaúcha, responsável pelas mudas de videira vingarem. Por sua porosidade, o basalto armazena a umidade por mais tempo, e assim nutre as videiras, o que garantiu o sucesso da produção das uvas e a sobrevivência de muitas famílias italianas que só ganharam encostas para trabalhar. Caminhos de Pedra foi uma homenagem a toda a minha ancestralidade, ao meu pai e a nossa família”, explica a artista.

Formada e desempregada

“No mesmo ano em que celebrava minha graduação, a Ulbra enfrentava a maior crise da sua história. Constantes atrasos de salário, demissões em massa e instabilidade provocaram o fechamento do hospital que me acolheu por 15 anos. Respiro fundo mais uma vez e sigo”, resume. Após se mudar para Soledade, cidade gaúcha famosa pelas pedras preciosas, Eliana iniciou estágio em uma fábrica de montagem e fundição de joias. Enquanto isso, fazia cursos sobre joalheria contemporânea, lapidação de gemas, entre outros. “Quanto mais eu estudava, mais me apaixonava por esse universo e pelas possibilidades que eu poderia explorar”, recorda.

Em 2011, ela se casa. No ano seguinte, dá início à pós-graduação em Moda, Criatividade e Inovação. “Foi quando resgatei os botões da sala de costura da minha mãe e todas as memórias que eles carregavam. Meu artigo final foi sobre os materiais alternativos em joias e acessórios. Em seguida, participei de um concurso em Limeira (SP), desenvolvendo uma coleção de joias inspirada nos laços de Coco Chanel. Essa coleção segue em exposição permanente no Museu da Joia de Limeira”, celebra a designer. Segundo ela, empreender é inovar.

Maternidade, depressão e a descoberta de um casamento tóxico

Inovando também na vida pessoal, em 2013, nasce Antônia e, por um tempo, Eliana se dedica exclusivamente à filha. Contudo, dois anos depois, ela enfrenta uma nova depressão e descobre que seu casamento havia se tornado tóxico. “Isso me levou para o fundo do poço novamente, mas, dessa vez, eu não tinha para onde fugir. Morava num sítio em Viamão, não estava mais sozinha, não podia voltar para a casa dos meus pais. E lá vem o julgamento e a culpa, mais uma vez”, lamenta. “Uma crise de pânico me levou ao mundo terapêutico, e lá estou desde então, buscando respostas, curando minha criança, trazendo minha adulta para tomar conta de mim sem a necessidade de ser aceita. A partir dessas curas, consigo trazer leveza para minha vida e muita clareza sobre os medos que eu permitia terem poder sobre mim”, avalia.

“No divã, descobri que minhas histórias são lindas e que meus botões fazem parte do meu processo de cura. Eles estão comigo desde as brincadeiras na sala de costura da minha mãe”, conta Eliana. Ela diz que, por anos, teve uma péssima relação com a mãe, mas hoje, a cada colar, ressignifica os sentimentos e consegue manter uma ótima relação com os pais. “Por isso, chamo de joias afetivas, pois carregam muito mais que um metal precioso, carregam sentimentos, histórias. Hoje, eternizo relíquias afetivas que as pessoas guardam por anos. Busco trazer consciência ao real valor que esses materiais têm. E por que não transformá-los em verdadeiros amuletos em vez de guardá-los em gavetas?”, propõe a artista.

Sementes de cura

Em 2016, Eliana lança a coleção Sementeiras, a sua volta ao mercado após a maternidade e. “Eu havia gerado a minha sementinha, a minha mais linda joia. Carregada de força, realizei as primeiras oficinas criativas de acessórios, me aliei a várias entidades de empreendedorismo. Fiz parcerias com lojas, desfiles, produções de moda”, enumera.

No ano seguinte, o então marido de Eliana sofrera um acidente vascular cerebral (AVC). “Mesmo com o pior diagnóstico dado, ele sobreviveu sem sequelas. Aqui, já não havia mais um casamento, apenas uma mulher decepcionada, desesperada, tentando evitar que a filha perdesse o pai aos 4 anos de idade. Foram duas semanas de horror, entre postos de saúde, liminar judicial, falta de leito. Experimentei o desespero e o milagre. O AVC me acordou para poder enxergar o que eu estava fazendo com minha vida. Foram 365 dias de recuperação”, salienta.

Recomeço na capital

De volta a Porto Alegre, em 2018, a empresária investiu em si mesma e em ajudar outras mulheres. Além de cursos de desenvolvimento pessoal, foi voluntária em projetos sociais. “Fui parceira de uma amiga numa palestra musicada. Durante um ano, levamos a palestra a muitas cidades: salas lotadas, executivas, empreendedoras, presídio feminino, funcionárias públicas, moradores de rua. Minha história fez parte do livro Empreendedorismo Feminino: Protagonistas em Ação, organizado pela Edipuc/Escola de Negócios da PUCRS, junto com mais 29 mulheres. Lançamos na Feira do Livro! Quanto mais eu me permitia dizer sim para mim mesma, mais me fortalecia. Meu maxicolar-conceito, todo construído a partir do reaproveitamento de rolhas, foi publicado num livro-referência de moda sustentável no Brasil e em Portugal”, recorda, com alegria.

Eliana consegue o divórcio. Aliviada, transforma a sala de casa em espaço para ensinar alunas a criar acessórios. “Comecei a dar aulas de Moda num colégio, como currículo extra. Me sentia viva por estar fazendo o que amava e ousando novos projetos”, conta. Nessa época, ela teve seu trabalho divulgado em programas de TV e viu seus colares sendo usados por celebridades. Ao fim do ano, foi escolhida como uma das mulheres inspiradoras de 2019 pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, um projeto criado pela Comandante Nádia Gerhard.

Pandemia e novos desafios

“Em janeiro de 2020, precisei levar meu casamento a uma delegacia de polícia, um dos momentos mais tristes vividos por mim. Entendi todos os sentimentos que a expressão medida protetiva representa. Respirei fundo e continuei. Precisava reagir, estava sozinha com uma filha para proteger e dessa vez não poderia cair em depressão”, reconhece. Como não bastasse isso, veio a pandemia. Com as lojas parceiras fechadas e os projetos suspensos, ela decide focar em sua loja on-line e na presença digital. No Instagram, cria o perfil @ElianaCologneseAprendaComigo, no qual ensina sobre o reaproveitamento de materiais na confecção de acessórios.

“Fiz várias lives com convidadas abordando temas que levassem estrutura emocional para mulheres. Lancei a Coleção Madre, em que cada joia foi construída a partir da análise que a cliente fazia da sua mãe. Chorávamos juntas, eu e elas, ao dar forma a colares inspirados em mães que não estão mais aqui”, explica. Depois, vieram as coleções A-mar, inspirada no amor próprio; Santa Joia, composta por rosários e peças para decorar a casa; Bem Me Quero e, mais recentemente, a coleção Espelho, Espelho Meu.

“Meu atendimento hoje se baseia em aulas presenciais, monitorias on-line pra alunas de outros estados, coleções autorais, encomendas especiais, reformas e restaurações. Mas quero voltar com as oficinas e palestras presenciais”, informa Eliana, que também é instrutora da Associação do Comércio de Joias, Relógios e Óptica do Rio Grande do Sul (Ajorsul), cujo curso on-line tem mais de 70 alunos de todo o Brasil.

Conectada à própria essência

“Essa é a história de como me tornei a mulher que ‘estou’ hoje. Não há como separar a mulher da

designer, da mãe, da filha, da esposa. Olhar para cada uma delas é necessário, entender qual aprendizado vem em cada desafio é preciso. Somos imperfeitas, filhas de pais que carregam seus medos, que absorvemos, e casamos com homens que carregam outras histórias, e absorvemos novamente. Temos como escolher se vamos mexer agora ou daqui a pouco nessas gavetas, mas vai chegar a hora em que seu corpo vai pedir para transformar todo o ‘lixo’ em joias”, adverte.

“Não há como empreender se nos afastamos da nossa essência, se vivemos o sonho do outro, se andamos guiados pelas decisões que outras pessoas tomam por nós. Somos meninas, sim, mas hoje é a adulta quem deve comandar! Ainda não sei tudo o que quero, mas tenho certeza do que não quero mais. Quando me conecto com o que amo, me conecto com o que é divino, e sei muito bem qual preço paguei por ficar desconectada de mim mesma. Não há sucesso profissional sem curarmos quem somos, sem perdoarmos nossos pais”, encerra ela, otimista.

Amor que alimenta, ingredientes que nutrem

Elas estão à frente da Liebe Im Kuchen, empresa que, em menos de um ano, já conquistou clientes de Norte a Sul do Brasil. Com as mãos, fazem bolos sem glúten e lactose, biscoitos com flores, doces de pura fruta, entre outras iguarias não apenas saudáveis, mas que levam beleza à alimentação. Uma história que ainda está começando e já traz amor no nome.

Em agosto de 2021, Diuli Baloqui começou a fazer bolos para vender. Mas não quaisquer bolos. Valéria Delabary, sua mãe de coração e grande incentivadora, uniu os benefícios da alimentação funcional às receitas de sua família, criando adaptações de sucesso. Tudo muito artesanal, feito na cozinha de casa. Menos de oito meses depois, a empresa cujo nome, em língua alemã, significa “Amor em Bolos” ampliou o leque de produtos e já prepara parcerias com uma grande rede de hotéis da Serra Gaúcha e com uma rede de cafeterias do Espírito Santo.

Uma história que começa em Lavras do Sul

Valéria nasceu em Lavras do Sul, cidade 320km a sudoeste de Porto Alegre. Da infância, destaca a garra da mãe, que era diretora de escola durante o dia e viajava todas as noites em estrada de chão para cursar sua terceira faculdade em Bagé. A necessidade por melhores escolas fez com que Valéria e os irmãos se mudassem para lá quando ela tinha dez anos. Aos 18, partiu para Santa Maria, onde cursou Fonoaudiologia na Universidade Federal. Foi lá que ela conheceu o marido, Ney Gomes Filho, também de Lavras, hoje advogado e sócio em um escritório de advocacia. Dessa relação de quase 24 anos, nasceram Anita, de dez, e Rafael, de sete.

“Nós planejamos a vinda da Anita. Na época, meu marido tinha vindo para Porto Alegre por propostas de trabalho. Eu estava em Santa Maria, muito bem colocada”, recorda. Ela atendia em três hospitais e possuía duas clínicas. “Trabalhava com fonoaudiologia hospitalar, terapia ligada às dificuldades de deglutição. Eu ainda fazia uma pós-graduação em São Paulo! A minha rotina era muito doida, porque quando eu estava de folga, vinha para Porto Alegre, vivia muito na estrada. Quando engravidei, nós decidimos que não queríamos criar um filho longe um do outro”, conta Valéria, que decidiu vender as clínicas de Santa Maria, viver na capital e focar na maternidade durante o primeiro ano da filha.

Amor incondicional, gentileza e acolhimento

“Desde menina, sempre tive essa certeza: de que eu queria e ia ser mãe. Maternidade, para mim, é sinônimo de amor incondicional, de crescimento, tanto pessoal, nosso, quanto dos filhos, daquele ser maravilhoso que a gente gera, acompanha, cuida, que a gente ama. É algo muito mágico, muito transformador. Acho que é um divisor na vida de toda mulher, porque é algo tão forte, tão intenso, tão difícil! E, ao mesmo tempo, tão lindo! Quando a gente entende o que é o amor, quando a gente transpõe, transforma a amorosidade, a gentileza, o acolhimento”, explana.

“Então eu acompanhei todos os passos da Anita desde o nascimento, a transição de alimentação, aqueles cuidados todos. E, no final desse primeiro ano, pensei: bom, preciso me recolocar nesse mercado”, conta. Com o mercado da fonoaudiologia hospitalar já saturado em Porto Alegre, e também pensando em ter mais tempo para a família, ela optou pelo serviço público. Na primeira tentativa, sucesso: foi a primeira colocada na prova e ingressou como fonoaudióloga na Fundação Proteção do RS, onde está desde 2012. “É a antiga Febem, que desmembrou na FASE e na Fundação, que realiza medidas de acolhimento a crianças em situação de vulnerabilidade social”, explica.

Sobre a chegada de Rafael três anos depois, Valéria conta: “Nós já tínhamos essa ideia de não querer apenas um filho. Meu marido vem de uma família de sete filhos, eu, de uma de quatro filhos. Acho que ter irmão é algo muito importante na vida. Para o crescimento, para compartilhar, para ter alguém próximo”.

A inserção de Diuli na família

“A Diuli é uma menina incrível, extremamente focada no estudo. A mãe dela, Bia, é uma amiga de Lavras; nós crescemos juntas, nossas famílias moravam no mesmo quarteirão”, conta Valéria. Há cerca de seis anos, Diuli, então com 16, sonhava em ir para a faculdade. “A Diuli sempre foi aluna nota dez, só que Lavras é superpequena, e as possibilidades para a juventude são muito restritas. É uma cidade com foco na pecuária, na agricultura. Como a gente tem um histórico de busca pelo estudo, e vendo aquela menina tão incrível, nós fizemos esse convite, de ela vir morar com a gente, e a gente assumir algo que, pelas condições da família, a mãe dela não conseguiria”, explica Valéria.

Para terminar a faculdade de Veterinária, na década de 1970, o pai de Valéria já havia morado na casa de parentes. Assim como sua mãe abrigara primos seus que precisaram viver em Bagé para estudar. “Então, a gente sempre teve essa coisa do acolhimento e da ajuda. Conseguimos vaga no [Colégio Estadual] Piratini, e ela se inseriu na nossa família. A Diuli não tem um vínculo sanguíneo, mas tem de afeto. Para mim, é como uma filha do coração, uma menina extremamente guerreira, focada, uma pessoa de um coração gigante. A relação dela com o Rafa e a Anita também é fantástica”, reconhece. Desde que terminou o Ensino Médio, Diuli, hoje com 22 anos, cursa Engenharia Civil, e deve se formar em dois anos.

Aprendendo a viver sem lactose

Foi em 2006 que Valéria precisou iniciar mudanças drásticas na alimentação. “Eu vinha tendo uma dificuldade gástrica muito grande. Um dia, conversando com uma amiga que é médica, ela puxou o receituário e disse: ‘olha, está aqui, vai fazer uma endoscopia e depois a gente conversa’. E eu me descobri intolerante já num grau bem severo. É muito difícil uma mudança alimentar assim tão grande, mas eu fiz. E vi a melhora imensa de qualidade de vida”, recorda Valéria, que cresceu acostumada com doce de leite e queijo feitos em casa. “Quando criança, meu pai sempre teve chácara, então o leite sempre foi algo muito presente na nossa alimentação”, admite.

“No início, tem que ter uma retirada total, e depois começa a inserção dos produtos sem lactose. E ali nós começamos a adaptar receitas. Cozinha, para mim, sempre foi um local muito importante, aquele espaço de acolhimento. E sempre amei cozinhar, desde criança” relembra. Ela tinha oito anos quando fez seus primeiros biscoitos, que aprendeu com a tia Deni, parente que cuidava dela e de seus irmãos enquanto a mãe estava na faculdade, à noite.

Receitas de família transformadas com amor

“A minha mãe fez um livro extremamente carinhoso para mim e para minha irmã quando nós saímos de casa, em seguida que nos formamos e instituímos as nossas casas com nossos companheiros. Fez uma dedicatória para cada uma de nós e colocou as principais receitas de família da nossa infância, o que nós gostávamos de comer. Então, é algo afetivo, extremamente importante”, ressalta. “E tinha um bolinho maravilhoso, que é o bolinho de nata da vó Dizinha. Eu adaptei ele para nata sem lactose, tirei a farinha de trigo e comecei a usar um blend de farinhas sem glúten. E ficou maravilhoso! Também comecei a adaptar receitas de bolo que nós tínhamos. Um bolo de fubá com hortelã, o bolo de cacau tradicional, bolo de cenoura, e outros. E a Diuli tem uma mão incrível para bolo! Ela adora, a Anita também sempre gostou de cozinhar. E a gente fazia muito bolinho em função do lanche das crianças” conta.

Em seguida, alguns amigos começaram a encomendar os bolos, e Diuli teve a iniciativa de atender à demanda, enxergando uma oportunidade de fazer renda extra. Valéria deu força pois, nos tempos de faculdade, já havia vendido semijóias e cosméticos com o mesmo intuito. À época, Rafael e Anita estavam imersos no estudo da língua alemã. Assim, quando as encomendas de bolos começaram a crescer e Valéria sugeriu que Diuli criasse um perfil no Instagram para divulgar seu trabalho, partiu das crianças a ideia de um nome: Liebe Im Kuchen, amor em bolos!

Se a crise é um limão, faça uma limonada

Inquieta e curiosa, durante a pandemia, Valéria decidiu investir em uma nova faculdade, de Nutrição, aproveitando o crescimento da educação à distância. “Sabe quando a gente passa dos 40 e bate aquela percepção de que a gente tem várias habilidades, essa vontade de ir atrás de outros projetos? E aí me encantei pela alimentação funcional. A Diuli começou com os bolos porque a gente começou a alterar tudo em função de buscar melhorar a qualidade de vida”, salienta.

“Com os estudos, isso se potencializou. Fomos estudar sobre o uso das flores, alimentos não convencionais, e sobre os processos de desidratação de frutas também. Eu tinha uma desidratadora pequena, manual. O Liebe já estava bombando com os bolos. Um dia, fizemos biscoitos com flores para o nosso consumo, aí a Diuli postou, e as gurias enlouqueceram. Com os docinhos foi mais ou menos a mesma situação. Aí, ela foi aumentando esse catálogo”, esclarece Valéria, que também ajuda nas produções. “Ela dá conta disso durante o dia. A faculdade dela é à noite. Quando chego em casa, ajudo em alguma preparação, organizando os pedidos do próximo dia”, relata.

“Como os nossos docinhos, são pouquíssimas pessoas que fazem, que ainda usam essa técnica. Tem doces que demoram de 8h a 20h para desidratar, e tem todo o trabalho da moldagem, da organização”, informa. Entre os ingredientes, usam a farinha de arroz, o polvilho doce e a farinha de amêndoa. Já as coberturas são feitas com tâmaras e saboreadas com limão ou laranja. Mesmo assim, Valéria defende que a ideia sempre foi oferecer produtos mais acessíveis que o habitual. Pensando nisso, o Liebe tem como fornecedora de frutas a Rural &Tal, empresa que envolve famílias de agricultura familiar. “Isso também nos gratifica muito”, diz Valéria.

O futuro está aí

Ao fim de 2021, o negócio já surpreendia pelo crescimento. Em função da beleza dos produtos, Valéria revela que muitas vezes são vendidos como um souvenir. “Naquele momento mais difícil de pandemia, muitas pessoas queriam enviar um mimo para um amigo. E quem recebe se torna cliente também, em algum momento”, diz.

Ainda é um trabalho todo artesanal, mas já investiram numa desidratadora de frutas com controle de temperaturas e, graças à validade mais longa dos biscoitos e doces, tornou-se possível a entrega em outras regiões. “A Diuli já fez envio para São Paulo, Rio de Janeiro, tem clientes em Vitória, e temos muitos na Serra. Acho que o mais distante foi um envio para o Pará. E sempre vem um feedback muito bacana”, comemora a mentora. Para surpreender e alegrar, Diuli inclui na embalagem um agrado para cada cliente.

“Nós começamos a fazer mimos personalizados. Para o Dia da Mulher, fizemos mexedores de drinks”, conta. Diante das perspectivas de futuro, Valéria é otimista: “Que o negócio possa crescer e também possibilitar trabalho para mais pessoas. Essa é a ideia da Diuli, manter esse empreendimento após a formatura. E nós vamos seguir aqui nessa retaguarda, como pais afetivos, como amigos, como padrinhos. A nossa proposta é uma alimentação saudável, bonita, com afeto, que seja algo que possa acompanhar bons momentos de partilha. Acho que o alimento tem essa função: não é só saciar o corpo, tem que alegrar o coração”, encerra.

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