Maternidade

O filho eterno: relatos da maternidade especial

Uma mãe de 95 anos procurou um psiquiatra porque estava preocupada com seu filho de 75 anos. Queria orientação sobre como ajudá-lo. Essa história determinou para mim o que é um filho: eterno.

Esse título, acima, trouxe do livro de Cristovão Tezza, um pai que fala de todo o seu desencantamento por ter um filho com síndrome de Down. A vaidade dos pais é ferida quando produzem uma parte de si que não é perfeita. E, para as mães, a dor é ainda mais funda; porque o seu corpo nunca mais será o mesmo.

Aquele “pedaço de mim”, como Chico Buarque escreveu, é presença física e ficará para sempre junto, muito junto. Eternamente. Imaginemos que uma mãe, cujo bebê não apresenta nenhuma condição especial, quando amamenta e recebe uma notícia triste, vê seu leite secar, diminuir. Segurar um filho firmemente durante procedimentos hospitalares, como nos conta Nora Prado, mas com perna bamba, só com uma força descomunal. Isso na relação mãe e filho. Mas, vamos para a rua, onde as palavras “à margem”, “me senti diminuído” e tantas outras nos mostram o desejo, este sim, estranho de que devemos ser perfeitos. Nós viramos o rosto. A mãe que chega na pracinha já vai insegura. E, não raro, é sutilmente segregada. As escolas também não deixam por menos. Nem todas têm preparo para lidar com crianças especiais.

Ah, mais uma coisa: muitas dessas mulheres acabam criando seus filhos sozinhas. Porque alguns homens não conseguem mais manter uma relação de casal quando há um filho em condição diferente.

Mas, eu fico muito feliz em apresentar a vocês as mães extraordinárias que contam suas histórias sem medo, com amor. Muitos vivas para a Nora, a Ju, a Danielli e a Juliana! A vida segue firme com vocês!

Fátima Torri, editora

Nora Prado – Atriz, cronista e poeta gaúcha mãe da Valentina e do Aramis, portador de lisencefalia.


“Sou alguém que ama a vida e as pessoas e vive intensamente cada fase que se apresenta. Cresci cercada de arte no ateliê dos meus pais que, por serem artistas plásticos, me incentivaram o contato com todas as artes. Com cinco anos de idade já sabia que queria ser atriz. 

Levei muitos anos até encontrar o marido ideal. Só no quinto casamento, com o Gabriel Guimard, ator, mímico e diretor, é que eu tive certeza de que teria filhos com ele. Engravidei da Valentina depois de 9 anos juntos. Eu tinha 41 anos e fiz meu solo A Modelo, com ela dentro da barriga. Foi uma gravidez tranquila e um trabalho de parto natural que durou 25 horas. Hoje a Valentina tem 17 anos. 

Como eu já era mais velha quando a Valentina nasceu, decidimos que teríamos outro filho o mais breve possível. Engravidei do Aramis depois de muitas tentativas e tive uma gravidez tranquila, só me sentindo um pouco mais pesada e lenta do que a da Valentina. 

O trabalho de parto dele durou só 5 horas e foi parto natural. Lembro-me de que o tamanho da placenta dele era enorme. Mas o meu útero não contraiu e tive uma grave hemorragia. Perdi muito sangue, quase morri. Recebi 2 litros na transfusão de sangue antes da cirurgia para a retirada do útero. Fiquei na UTI por três dias, longe do Aramis, que permaneceu no berçário da maternidade sendo atendido pelos médicos e enfermeiros e tomando leite no copinho. Nos encontramos no quarto ao fim da minha estada na UTI e pude finalmente estreitá-lo em meus braços. Mas ele ainda teve icterícia e permaneceu por 24 horas tomando banho de luz com os olhos vendados no berço. Só depois, em casa, é que fomos ter a paz necessária para nos conhecermos melhor. 

Aos 27 dias, ele começou com uma febre e minha cunhada achou melhor o levarmos para o hospital. Na sala do médico, ele já teve uma intercorrência, começou a ficar roxo e o levaram imediatamente para ser entubado, e retiraram o líquido amniótico da coluna vertebral. Numa operação delicadíssima na qual introduzem uma agulha enorme entre duas vértebras do bebê, tive que segurá-lo firme para que o procedimento não atingisse nenhum nervo para não comprometer a parte motora. Conseguiram retirar com sucesso e constataram meningite. Ele foi internado na UTI pediátrica onde permaneceu por três dias em isolamento e depois mais 10 dias na UTI neonatal. 

O Gabriel estava fora, dirigindo um espetáculo em Belo Horizonte, e eu não quis preocupá-lo, já que não poderia fazer nada à distância. O stress foi tão grande que o meu leite diminuiu. Passei a amamentá-lo pela mamadeira e leite Nan. Quando o Aramis já estava melhor e sem nenhum risco de vida, tive coragem e liguei para o Gabriel explicando o que tinha acontecido. Claro que ele veio de volta, no dia seguinte, e me ajudou, além da minha tia e minha mãe que revezavam comigo cuidando do Aramis no hospital. Saímos de lá quando ele estava forte e sem nenhum risco para a sua saúde. A partir daí ele passou pelo neurologista uma vez por mês, para fazer um acompanhamento regular e ver se havia sequelas da meningite. O Aramis sentou mais tarde, falou mais tarde, andou só com dois anos e teve todo o desenvolvimento motor atrasado em relação à média da idade. 

Depois de um ano, mudei de neurologista e a nova médica percebeu a discreta diminuição da caixa craniana dele e nos pediu uma tomografia computadorizada de crânio. Quando voltamos com o resultado, ela nos disse. “Tenho uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que a meningite não deixou sequela alguma no Aramis. A má notícia é que a tomografia mostrou que ele tem lisencefalia. É uma má formação congênita que não tem cura. Todos os atrasos do Aramis são por conta desta condição.” 

O Aramis sempre foi um bebê lindo e, mesmo criança, a sua beleza chamava atenção. Sempre foi muito curioso, alegre e risonho. As pessoas demoravam um tempinho até perceberem que havia alguma coisa diferente. O nosso plano se recusou a bancar as sessões de fisioterapia que ele deveria fazer e resolvemos buscar alternativas para a estimulação motora do nosso filho. Com dois anos começou com as aulas de natação para bebês, quando inicialmente eu fazia junto com ele. Depois ele passou a entrar na piscina sozinho e aprendeu a nadar, sempre adorou mergulhar. Ele fazia acupuntura e iniciou as sessões de fonoaudiologia, pois a musculatura das bochechas e boca era mais flácida e ele ainda babava. Usou babador até os cinco anos. Passou por vários especialistas que constataram que a sua visão e audição eram perfeitas, para o nosso alívio. Fez terapia ocupacional e atendimento psicológico. 

Nora Prado e a família

De qualquer modo, Aramis sempre foi muito amado e estimulado. Desde pequeno frequentava teatro e cinema conosco, demonstrando satisfação e interesse. Sempre contamos histórias e lemos para ele. Frequentou escola regular com os conteúdos adaptados para ele. Foi acolhido com carinho e atenção pelos colegas e gostou de conviver com as crianças da sua idade. Feliz ou infelizmente o Aramis se encontra numa tênue linha onde é muito normal para os anormais e anormal para os normais. Ou seja, vive numa solidão existencial que só não é maior porque convive muito com os nossos amigos. Ele costuma fazer os programas de lazer conosco, a família e os nossos amigos. Em São Paulo os colegas sempre o convidavam para as festas de aniversário e os programas de fim de semana. Desde que chegamos a Porto Alegre, ele foi matriculado em um colégio. Se adaptou bem à turma e morre de saudades desde que a pandemia nos colocou em quarentena. No entanto, para nossa surpresa ele nunca foi convidado para nenhuma festa de aniversário, a única que houve foi a dele mesmo, quando completou quinze anos e recebeu a maioria dos colegas que vieram. É um rapaz que lembra com carinho dos amigos de infância, filhos dos nossos amigos paulistas, mas que não tem amigos de juventude. 

Aramis ama mitologia grega e brasileira, assim como adora super-heróis. Os dois requisitos básicos para escolhermos os filmes nos fins de semana são: atos heróicos e amor verdadeiro. Ele é muito inteligente, afetuoso, companheiro e tem um grande senso de humor e de justiça. Nosso maior compromisso com ele, enquanto pais, é o de que ele alcance o máximo de autonomia possível para sobreviver depois que nós morrermos. Minha filha sabe que caberá a ela a tarefa de cuidar dele quando isso acontecer. Espero que até lá existam moradias para pessoas com necessidades especiais,  e que a sociedade se comprometa mais com o cuidado e a dignidade de pessoas nestas condições. 

A sociedade poderia muito bem lidar com as pessoas especiais com mais compaixão, generosidade e respeito, com maior inclusão. Não acredito que ela não esteja preparada, mas sim que ela, sequer, deseje se preparar. Neste sentido, aproveito a minha oportunidade como mãe de um filho especial para narrar essa aventura num livro que estou escrevendo: Filhos Especiais, Pais Excepcionais. Pois a maioria das iniciativas para a difusão de conhecimento e trato cotidiano com crianças especiais, na maioria das vezes, parte das próprias famílias. Espero que um dia o Estado brasileiro também assuma a sua parcela com políticas públicas de acessibilidade e inclusão reais, não só na escola, mas na cultura e em todos os âmbitos da sociedade, pois há um contingente gigantesco capaz de ensinar e trocar saberes com todos.”

Jucelia Loebens – professora de Língua Portuguesa e Espanhola
Mãe do João Victor de 10 anos, com espectro autista. 

“Sou filha dos Campos de Cima da Serra, sou filha de pecuarista aposentado e de uma dona de casa corajosa e determinada,  que esperaram ansiosamente para ver a primeira filha. Nasci nos anos 70. Dez anos depois, nascia minha irmã, e junto uma relação maternal,  sobretudo depois que nossa mãe faleceu.

Casei cedo e saí da minha terra, pra viver na Capital. Meu marido e eu esperamos 12 anos pra conceber nosso filho querido, que já achávamos que não viria. Veio um menino lindo e saudável, filho de pais mais velhos que já éramos. Eu, uma mãe protetora como eram todas as da minha linhagem, sendo assim, segui a cartilha da criação modelo saudável e ética, ou pelo menos tentei.

Viajávamos de uma cidade para outra, acompanhando meu marido e seu trabalho. Mudamos de país, Espanha e Itália foram nossos lares por um tempo. Meu filho cresceu em meio a idiomas diferentes e isso servia de explicação para seu atraso na fala. Dormia no chão de auditórios escutando palestras de economia aplicada, política social e linguagens. O suficiente para justificar que ele, desde pequeno, tivesse um vocabulário rebuscado, muitas vezes. Nunca teve enfermidades, as visitas na pediatra eram de rotina. Dormia bem, se alimentava bem. Tinha alguma birra, mas entendíamos normal de criança pequena. Crescia feliz. Eis que ao entrar para a escola regular, a professora atenta e carinhosa foi observando a dificuldade em se relacionar com seus pares. E nos indicaram uma avaliação. O diagnóstico saiu rápido, uma análise entre psicólogo, fonoaudióloga e neuropediatra.  Meu filho fazia parte do Espectro Autista. Não tem como negar que vivi um luto, a perda do filho imaginário e idealizado.  

Então, começava um novo caminho pra mim, uma nova busca e uma luta sem igual. A rotina virou uma gincana com tarefas e horários determinados, hora de terapias, exercício de fono, psicomotricidade, psicopedagogia, música, yoga, inglês, aula. Dentro do privilégio de ter acesso a tudo isso, e ao mesmo tempo, de quase sentir culpa por saber que tantas mães não têm acesso a nada disso. 

Minha preocupação me rendeu um transtorno de ansiedade, muitos cursos, lives, palestras, e uma pós sobre autismo. Depois veio a pandemia e nos trancamos em casa, como tinha que ser. Eu reconheço o enorme privilégio de poder ser mãe em tempo integral. Apesar de deixar de lado a minha profissão que eu amo. Nesta fase da minha vida, não tem nada mais importante do que minha família. Todas as horas do dia acompanhei meu filho, e fui percebendo que deveria aprender a escutá-lo. Assim como escuto muitos autistas jovens e adultos. Eles são os que nos ensinam, para eles, devemos dar voz.  Sempre.

Aos poucos, com ajuda profissional, fui acalmando meu coração. Meu filho tem o cognitivo e a inteligência preservados. Tem uma empatia incrível e um entendimento da vida para além do racional. Tem humor, sim pasmem. Tem amor demais pra agradecer tudo que fazemos por ele.  Eu sei que ele vai ser o que quiser ser.  Sem pressa e sem pressão. 

Meu filho tem, por vezes, rispidez nas observações, rigidez de pensamento, sensibilidade auditiva e sua bateria se esgota facilmente. Dificuldade nos esportes e facilidade na matemática, síntese de pensamento e sinceridade exagerada. Meu filho tem dificuldades concernentes ao autismo. Mas a bem da verdade, essas são as que ele vai tirar de letra. Já o meu medo é do preconceito. Dos outros, óbvio. O preconceito é inerente à sociedade, o problema é que ele está cheio de desinformação. O preconceito já chamou o autismo de doença e disse que deveria ter cura. O preconceito já fez com que as pessoas duvidassem do diagnóstico, e sempre que pode, o preconceito minimiza e desvaloriza todo nosso esforço e invalida a nossa luta. A sociedade quer que todos sejam iguais, robotizados e caibam na caixa e nunca saiam dos seus quadrados.  Ser diferente é resistência. Lutar para poder ser diferente é rebeldia, sabemos disso.

João Victor na formatura da tia precisou usar fones de ouvido

No entanto, nossa luta continua, dia a dia, sol a sol. Eu sou uma mãe que carrega a bandeira do autismo, eu mostro informações científicas e eu confio que possa valer a verdade. Pois para a ignorância, sim, existe cura. E o preconceito se combate com informação segura.  Ser mãe não é assertivo, é arriscar sonhando com o melhor. Ser mãe é acertar hoje e não saber o que vai acontecer amanhã.  Por isso, é preciso não ter julgamento para as mães, principalmente para as que andam por sendeiros desconhecidos. Ser mãe atípica é sempre lutar contra moinhos de vento e ter fé, uma fé imensa na vida.”

Danielli Romero Alves, autônoma – mãe da Lavínia de 8 anos, que possui paralisia cerebral. 

“Sou de Santana de Livramento, mas moro em Porto Alegre há 3 anos. Me mudei por causa do tratamento da minha filha Lavínia de 8 anos, que tem uma paralisia que não foi comprovada até hoje, mas aparentemente, pelo quadro, é uma paralisia cerebral. Nunca imaginei que eu moraria na capital, que iria deixar toda minha família, todas as pessoas. Mas minha cidade, assim como a maioria do interior, não tem tratamento adequado para as necessidades da minha filha. 

A Lavínia não tinha nenhum problema até 1 ano e meio, caminhava, falava, mas fomos percebendo que ela começou a ficar mole e passou a não sentar mais. Foi perdendo a coordenação, e nos assustamos bastante. Minha gestação foi normal, meu parto foi normal, pré-natal foi tudo tranquilo, nenhum exame detectou que a Lavínia poderia ter alguma deficiência. No começo foi muito assustador pra mim, foi difícil de aceitar. Uma coisa é nascer com alguma deficiência, ou tu já saber que o bebê terá alguma paralisia. Outra coisa é 1 ano e meio depois do nascimento, tu ver a criança perder tudo que ela conquistou. 

Danielli e Lavínia

Eu cuido da minha filha sozinha, nunca tive ajuda do pai dela. Meu namorado me auxilia nos finais de semana, quando vem para a nossa casa. E tem muita coisa que eu achei que jamais iria passar e que eu nunca ia conseguir. A Lavínia se alimenta por sonda, por gastrostomia há dois anos, porque ela teve uma desorganização na hora de mastigar e engolir. Isso foi um dos maiores desafios para mim. Não imaginava, que após os 7 anos, ela teria que se alimentar dessa forma. Mas estou aprendendo a lidar com isso. 

A minha rotina é bem puxada. A Lavínia entrou na escola esse ano, mas devido à pandemia, as aulas estão sendo remotas e a gente faz as atividades juntas. A professora manda os vídeos, a gente faz as atividades e manda de volta para a escola. Eu não trabalho mais fora, eu trabalho como autônoma, vendendo roupas. E nosso dia a dia  é super corrido: pela manhã fazemos um tratamento neuroevolutivo pelo método Bobath, que oferece uma abordagem interdisciplinar de solução de problemas para a avaliação e tratamento e propõe o gerenciamento do indivíduo com limitação para participar totalmente do cotidiano. Depois, à tarde, vamos para a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), onde ela durante a semana faz fisioterapia, hidroterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Sem contar as aulas da escola.
O nosso lazer inclui assistir desenhos e filmes juntas, que ela ama. E mesmo com toda essa rotina puxada, quando ela tira 1h para dormir, eu aproveito para cuidar de mim, faço minha unha, exercícios em casa, escovo o cabelo, sempre dou um jeito de me cuidar. Não deixei de ser vaidosa e eu tenho esses momentos.

Já sofri preconceito, a gente sempre sofre, né? Quando precisamos usar o transporte público, o pessoal não tem paciência por causa da cadeira. No Uber, às vezes, não querem carregar, as pessoas te olham meio torto, então sempre tem um tipo de preconceito. E eu desejo para minha filha um mundo de inclusão total, em todos os quesitos.  

Eu aprendi muito depois que me tornei mãe da Lavínia, principalmente a ter mais cuidado com as pessoas. Eu aprendi a não julgar, a ter mais empatia, eu sempre me coloco no lugar das pessoas antes de tomar qualquer decisão, antes de falar qualquer coisa. Hoje sou muito mais coração do que razão. E o que posso dizer para outras mães especiais é que nunca desistam dos seus filhos, que eles sempre têm algo melhor para oferecer. Eles têm seus limites, mas a gente consegue superar e é bonito ver até onde eles conseguem chegar. E para a Lavínia eu quero deixar registrado que ela é uma benção, ela transformou total a minha vida, ela é a coisa mais linda que Deus me deu, e eu faria tudo outra vez.” 

Juliana Guimarães da Silva, extensionista de cílios – mãe do Joaquim de 1 ano, que possui a síndrome de Apert.

Sempre trabalhei fora, mas depois que minha licença maternidade acabou, senti a necessidade de ficar mais em casa com meu filho, e por isso, optei por uma profissão em que pudesse trabalhar de casa e me dedicar mais a ele. Sou natural de Canoas e moro com minha família na cidade. 

Minha gestação foi planejada. Seis meses antes do Joaquim eu já havia engravidado, só que era uma gravidez anembrionária. Passei por curetagem e ficou aquele sentimento de perda. Mas a gente planejou e logo veio o Joaquim. 

Minha bolsa estourou em casa e, meia hora depois, o Joaquim já tinha nascido de 39 semanas e 4 dias, numa cesárea de emergência. Ele nasceu com um pouco de dificuldade de respirar e na hora levaram ele para examinar. Só me disseram que ele estava um pouco atrapalhado e por isso, fiquei tranquila. Passaram alguns minutos, e o médico veio falar comigo e me perguntou se eu tinha feito todas as ecografias durante a gestação, se eu tinha feito a morfológica, e eu respondi que sim, que eu tinha feito tudo. Então, ele me informou que meu bebê tinha nascido com uma má-formação na cabecinha e nos dedinhos das mãos e dos pés, que eram grudadinhos. Na hora eu fiquei meio anestesiada. Até hoje eu não sei explicar o que eu senti na hora. Passaram alguns minutos, me trouxeram o Joaquim e realmente pude ver o que eles estavam falando. Ele foi para a UTI neonatal para que pudessem investigar o que estava acontecendo.

Quando eu fui para a recuperação, estava arrasada. Meu esposo também estava. Eu só fui cair em mim uns dois dias depois. Chorei bastante, parecia que o mundo tinha caído em cima de mim. Nos primeiros dias de vida dele, eu sofri demais. Eu pensava que ele poderia ser uma criança que não fosse se desenvolver, até porque a gente não sabia o que ele tinha. Na minha cabeça ele não ia caminhar, seria uma criança que ficaria em cima de uma cama. Quando me contaram que seria uma possível síndrome de Apert eu fui pesquisar no Google, me apavorei mais ainda, porque na internet diz que as pessoas precisam fazer várias cirurgias, então imaginei que minha vida seria dentro de um hospital, que eu nunca mais seria feliz. Essa foi a sensação que eu tive nos primeiros dias de vida dele. 

Nossa família ficou em choque também, todo mundo ficou bem preocupado, principalmente comigo. Durante a gestação a gente não imagina que um bebê vai nascer com uma má-formação. Eu fiz todas as ecografias e os médicos me deram certeza de que o bebê estava 100%. Mas assim que o Joaquim veio para casa, depois de 28 dias de UTI, todo mundo se apaixonou por ele desde o início. 

Eu trabalho em casa e minha mãe cuida dele pra mim. Nossa rotina é muito normal, o Joaquim fez 1 aninho e já está ensaiando uns passinhos para caminhar. Ele já se enrola para falar umas coisas. Para mim ele é uma criança normal. Eu não sei se as pessoas o  veem assim, mas eu que sou mãe dele o vejo, e é isso que eu vou levar para o futuro dele. Joaquim faz acompanhamento com um neuro, com um cirurgião, com pediatra, oftalmo, cardiologista. E precisa realizar algumas cirurgias ao longo da sua vida. Uma delas já estava marcada pelo plano contratado, porém, negaram a realização. Nos assustamos bastante, porque teríamos que começar tudo desde o início pelo SUS, precisaríamos colocar o plano na justiça, ou pagar. O valor era cerca de R$ 90 a 100 mil reais, e entramos em desespero.

Meu esposo teve a ideia de criar uma vaquinha online. Fiz o Instagram do Joaquim e começamos a divulgação numa segunda à noite. Na quinta já tínhamos arrecadado todo o valor. A campanha tomou uma proporção muito grande, com inserções em rádios, com jogadores de futebol e famosos nos apoiando. Enfim, conseguimos realizar recentemente a primeira cirurgia de cranioestenose para descompressão do crânio. A recuperação dele tem sido 100%. Eu me preocupei demais antes da cirurgia, de como seria o pós-operatório. Mas ele se operou numa quarta à tarde e no sábado de manhã já estava pronto para vir pra casa. Super recuperado. Ficou 2 dias na UTI e 3 dias no quarto. Parece que ele não passou por nada. Essa foi a primeira cirurgia do Joaquim, ele ainda precisa fazer a separação dos dedinhos das mãos e dos pés. E na cabeça terá uma segunda operação quando ele tiver uns 7, 8 anos.

Juliana e Joaquim

Até o momento, eu não encontrei muitos desafios. Eu não sei se vejo nossa vida de uma maneira tão mais simples, e eu me coloco no lugar de pais que estão em situações piores que a minha, e por isso, só consigo ser grata a Deus, pela vida dele. Ele é um filho muito esperto, em pleno desenvolvimento, eu sinceramente não consigo ver dificuldade. Eu sei que em algum momento lá na frente a gente vai sofrer preconceito pela diferença que ele tem. E eu quero muito que ele se enturme, faça amigos, se inclua e seja incluído na sociedade.

Depois que tive o Joaquim, minha cabeça mudou, acredito muito que ele chegou nas nossas vidas com um propósito. Eu consigo ver o amor que ele traz pra todo mundo. E eu desejo pra ele um mundo de uma pessoa normal, que ele corra atrás dos objetivos dele, que ele seja um homem que estude, um homem bom, que trabalhe, que tenha a sua família.  Se eu pudesse, eu escolheria ser mãe dele de novo, e enquanto eu existir farei de tudo por ele. 

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