Não basta ser pai, tem que participar (mesmo)

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Nos últimos anos, há um movimento importante sobre maternidade acontecendo. Se até algumas décadas atrás esse processo era bastante solitário e tomado como algo quase automático, hoje temos trabalhado com a ideia de desnaturalizar tudo que envolve o maternar. Apostar em um outro olhar para essas questões é uma das batalhas da nova geração feminista, que sentiu na pele a necessidade de se ocupar de questões domésticas, lançando mão de novas ferramentas para a tarefa complexa que é criar uma criança.

Nesse contexto, o papel dos pais também tem passado por mudanças significativas. A figura masculina da geração de meus pais, homens que hoje tem entre 60 e 70 anos, foi marcada por uma intensa dedicação ao trabalho e pela noção de responsabilidade com a família. Normalmente o homem era o provedor da casa – e quando não era essa a realidade, quase sempre era quem tinha a maior renda. A mulher, quando trabalhava fora de casa (é importante salientar que as mulheres sempre trabalharam, e muito, nos afazeres domésticos, no cuidado com os filhos), o fazia para complementar a renda – ou, ao menos, esse era o discurso oficial. Nesse terreno vemos transformações importantes, tanto pelo fato de as mulheres estarem cada vez mais inseridas no mercado de trabalho e dando atenção a suas carreiras, como porque, cada vez mais, se consolidam como a maior fonte de renda das famílias.

Nesse descentramento que a figura masculina vem sofrendo, além de certo alívio na pressão para o sustento familiar, surge também uma nova consciência por parte dos casais: de um lado, mulheres recusando a ideia de serem as principais (ou únicas) responsáveis pelos cuidados com os filhos; de outro os próprios pais desejando participar mais dessas vivências.

Na década de 80, uma peça publicitária ficou bastante famosa com o seguinte bordão:

Não basta ser pai, tem que participar.

No vídeo um menino participa de um campeonato de futebol infantil e, ao sofrer uma pequena lesão, é cuidado pelo pai. Ali estão os clichês dos signos da masculinidade, atrelados ao futebol e à valentia, mas ainda assim essa propaganda se mostrou disruptiva para a época, anunciando a ideia de um pai que ultrapassa o imaginário popular da figura de autoridade e se implica afetivamente com o filho. Ainda assim, nesses quarenta anos, avançamos um bom tanto para considerar a frase acima incompleta.

Afinal, de que tipo de participação estamos falando?

É um fato notável o aumento da presença dos pais na vida cotidiana dos filhos, em praças, consultórios pediátricos, entradas e saídas das escolas. Na discussão para dissolver a chamada masculinidade tóxica, o movimento por uma paternidade ativa é um componente fundamental, desestabilizando o patriarcado que tanto oprime a todos. Afinal, não são só as mulheres que sofrem os efeitos danosos da desigualdade de gênero – também os homens ficam aprisionados naquilo que se espera deles, e com pouco espaço psíquico e social para se mover para além de estereótipos.

Nesse sentido, é muito bem-vinda a atividade dos pais no universo das tarefas domésticas e de tudo que envolve o cuidado com a prole. Ainda assim, arrisco dizer que precisamos caminhar muito. Se fizermos uma pequena lista de afazeres cotidianos e pensarmos sobre quem arruma a mochila para a escola, verifica se a criança precisa de roupas novas, toma conta dos deveres de casa, agenda médicos e repara no calendário vacinal, cuida da alimentação, do banho, da escovação de dentes, coloca para dormir… possivelmente nos espantaremos ao constatar que essa conta ainda é bastante injusta.

É uma luta árdua e longa, pois em um país no qual o Carnaval dura mais do que uma licença-paternidade, é preciso mesmo fazer muita força para contrariar a indicação cultural de que filho é coisa para as mulheres se ocuparem.

 

Juliana Lang Lima é Psicanalista e escritora

@julanglima

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