A psicanalista Carolina Delboni, sempre que pode, reforça nas suas colunas semanais no jornal Estadão que ninguém ensina a ser mãe de adolescente. Ela fala de um lugar de domínio: é mãe de três filhos. E já passou por muitas noites insones tentando ser escuta de um público que pouco fala. Aliás, não falam e somem no fundo dos seus quartos.
Há paredes visíveis e invisíveis nessa relação.
Muitas referências mudam e até o médico já não pode mais ser o mesmo, por exemplo. E agora, pedir ajuda para quem? O que é que acontece quando os filhos crescem e soltam as mãos? Por que não se ensina a ser mãe de adolescente?
É importante entender que os pais e mães não podem romper os vínculos e as redes de relações que foram criadas na infância. Não é preciso acabar com os grupos de WhatsApp de escola, por exemplo. Não é necessário romper com esses espaços de diálogo e troca. É preciso ir em busca de informações, coisa valiosa neste momento:“A segunda sugestão é perguntar para quem era o pediatra anterior a indicação de um novo médico, e entender que a gente não pode pular essa fase, deixar esse adolescente nesse limbo”.
A educadora ressalta a importância de os pais observarem e respeitarem a individualidade. Quando as influências externas começam a chegar e ele passa a adotar opinião, estilo e preferências próprias, a reação de muitos é de estranhamento.
No entanto, o melhor retorno é o acolhimento, pois a “criação de uma identidade própria é essencial para que o adolescente se torne um adulto saudável”, diz ela.
É desafiador para todo mundo. Comparando com as recentes Olimpíadas, funciona como se os pais e mães estivessem numa prova envolvendo obstáculos emocionais, paciência, nervos à flor da pele, e aquele momento em que se percebe que criá-lo é quase como uma gincana de sobrevivência – com muitos momentos de amor e alegria.
Pais e filhos angustiados
“Há muitos assuntos que nos angustiam. A própria entrada na adolescência é uma angústia. Os pais, de maneira geral, sabem muito pouco sobre a adolescência”. Mas não é só isso, continua:
“Depois existem as questões naturais da adolescência, como a sexualidade, bebidas alcoólicas e drogas, a experimentação desse universo, perigos à noite, porque começam a ir para a balada, voltam mais tarde”.
O bullying, e outras questões, de acordo com Carolina, são uma sombra. “Um medo contemporâneo é o bullying, o receio do filho não ser aceito, não pertencer e sofrer. E há ainda os transtornos mentais e temas como anorexia, vigorexia [pacientes que se enxergam fracos e sem músculos, quando são fortes e musculosos], que é algo que pega os meninos. O convívio com a tela, o excesso dela, das redes sociais, também são uma preocupação dos pais. São assuntos que os pais precisam agir com responsabilidade”, complementa.
Um novo caminho a ser percorrido: conversa verdadeira
Para Carolina, nessa busca por entender um novo filho que surge, há uma trilha a ser percorrida. “Reforço que vá buscar informação sobre esse assunto, leia, vá procurar um clínico geral, um urologista para o filho, um ginecologista, dividir as angústias com alguém e buscar informação na literatura, na psicologia, nos médicos, na troca de grupo com os pais de outros alunos do colégio onde filhos estudam. Refazer as redes de apoio, aqueles grupos de WhatsApp que os pais e mães têm quando os filhos são pequenos e a gente acha que não precisa mais porque eles cresceram. Essa é uma fonte de informação para os pais de adolescentes e esses assuntos que angustiam são os que os pais precisam aprender a conversar com os filhos abertamente, honestamente, para que eles deem ouvidos.
Se a conversa não for verdadeira, se vier de um lugar muito de pedestal, eu sou adulta, eu sou seu pai, eu sou sua mãe, eu que sei, o adolescente não escuta. Então, é preciso ter com o adolescente uma conversa que é mais de igual para igual, para que ele comece a escutar o que os pais têm para falar.”
E, conforme Carolina, quando o adolescente se propõe a falar, é bom acolher primeiro, se interessar de maneira genuína pelo que ele está trazendo. Assim, percebe que achou um canal de comunicação, não foi rejeitado. “Como que eu vou criando isso no dia a dia? Pegando ganchos cotidianos. Algo na escola, um vídeo no TikTok, uma cena na novela. Usar o que ele trouxe como via de acesso para começar uma conversa”.
A diferença na criação dos filhos
E como funcionam os papéis das mães e pais na criação dos filhos? Segundo Carolina, as mulheres sempre ocuparam o lugar do cuidar, do fazer e do ter que fazer bem feito, com todas as pressões sociais que cabem a este cargo. E os homens estavam para trabalhar fora, para fazer outra coisa. O trabalho da casa, de criação dos filhos, nunca foi deles, então ficavam num lugar mais confortável porque não estavam no papel ruim de “dar bronca”, de chamar atenção, de pedir para pegar a coisa que está jogada no chão, de fazer a lição.
“Essa é uma mudança estrutural. É preciso criar filhos, meninos e meninas com maior igualdade dentro de casa e dando para os dois responsabilidades equilibradas. Então é uma mudança que a gente vai fazendo ao longo do tempo”.
Eles não são um tormento
Em um artigo recente, Carolina defendeu que é natural pais e mães enxergarem a adolescência dos filhos como uma tormenta, mas tratar a fase desta maneira só reforça um estereótipo duro de ser carregado pelos próprios adolescentes. “O maior desafio de criar filhos adolescentes não é lidar com todas as queixas que rapidamente sabemos elencar, mas se dispor – se colocar à disposição – de estabelecer uma conversa possível com eles. Sim, existe uma conversa que é possível de acontecer e a grande maioria de nós não está disponível como estava para essa mesma pessoa quando ele tinha 2, 3, 5 anos
Se reconhecer como pais de um adolescente é uma conversa possível, mas é preciso olhar para essa figurinha que você diz não mais reconhecer e reconhecê-la. Como alguém que cresceu, que diz o que pensa, que tem vontades próprias e nem sempre vai te abraçar e dizer que te ama. Ainda que te ame profundamente”.
Quem é Carolina Delboni
Carolina Delboni é educadora, escritora, psicanalista da adolescência pelo Instituto Sedes Sapientiae e especialista em comportamento adolescente. Também é consultora educacional e palestrante. Tem três filhos, Lucas, Pedro e Felipe. Instagram: @carolina_delboni
Matéria escrita por Tatiana Bandeira @tbandeira