“Ninguém ensina a gente a ser mãe de adolescente”

Quem pode ensinar alguém a ser mãe de adolescente? Segundo a educadora, psicanalista e escritora Carolina Delboni, autora de Desafios da Adolescência na Contemporaneidade, a literatura é rara e a rede de apoio se desmancha: “Ninguém ensina a gente a ser mãe de adolescente”, diz
mãe de adolescente

Quem pode ensinar alguém a ser mãe de adolescente? Segundo a educadora, psicanalista e escritora Carolina Delboni, autora de Desafios da Adolescência na Contemporaneidade, a literatura é rara e a rede de apoio se desmancha: “Ninguém ensina a gente a ser mãe de adolescente”, diz

Carolina Delboni, sempre que pode, reforça nas suas colunas semanais no jornal Estadão que ninguém ensina a gente a ser mãe de adolescente. Muitas referências mudam, o médico já não pode mais ser o pediatra, por exemplo. E agora, pedir ajuda para quem? O que é que acontece quando os filhos crescem e soltam as mãos? Por que ninguém ensina a gente a ser mãe de adolescente?

 

Adolescência como angústia

“Há muitos assuntos que angustiam. A própria entrada na adolescência é uma angústia. Os pais, de maneira geral, sabem muito pouco sobre a adolescência. A gente acaba estudando muito, lendo muita coisa, tendo muita rede de apoio quando os filhos são bebês ou crianças. A própria ida ao pediatra ou a figura do pediatra acaba sendo uma fonte de informação, uma fonte de aprendizado muito grande. E os pais perdem essa rede de apoio quando o filho entra na adolescência, então tem-se muito pouca informação e isso já gera uma angústia. E depois existem as questões naturais da adolescência, como a sexualidade, bebidas alcoólicas e drogas, a experimentação desse universo, perigos à noite, porque começam a ir para a balada, voltam mais tarde”, diz. 

“E são perigos noturnos que antes não existiam, essa coisa de estar fora de casa, um medo contemporâneo é o medo do bullying, o medo do filho não ser aceito, não pertencer e sofrer bullying. E há ainda as  questões contemporâneas, dos transtornos mentais e temas como anorexia, vigorexia (pacientes que se enxergam fracos e sem músculos, quando são fortes e musculosos), que é algo que pega os meninos. E o convívio com a tela, o excesso de tela, as redes sociais é uma preocupação hoje em dia dos pais, e essas preocupações são assuntos que eles precisam falar, pai e mãe precisam agir com responsabilidade”, complementa Carolina.

 

Um novo caminho a ser percorrido: conversa verdadeira

De acordo com ela, nessa busca por entender um novo filho que surge, há uma trilha a ser percorrida. “Vá buscar informação sobre esse assunto, leia, vá procurar um clínico geral, um urologista para o filho, um ginecologista, dividir as angústias com alguém e buscar informação na literatura, na psicologia, nos médicos, na troca de grupo com os pais de outros alunos do colégio onde filhos estudam. Refazer as redes de apoio, aqueles grupos de WhatsApp que os pais e mães têm quando os filhos são pequenos e a gente acha que não precisa mais porque eles cresceram. Essa é uma fonte de informação para os pais de adolescentes e esses assuntos que angustiam são os assuntos que os pais precisam aprender, buscar informação e conversar com os filhos abertamente, honestamente, para que eles deem ouvidos a essa conversa.

Se a conversa não for verdadeira, se vier de um lugar muito de pedestal, ´eu sou adulta, eu sou seu pai, eu sou sua mãe, eu que sei´, o adolescente não escuta. Então, a gente passa a ter com o adolescente uma conversa que é mais de igual para igual, para que ele comece a escutar o que os pais têm para falar”

 

A diferença na criação dos filhos

E como funcionam os papéis das mães e pais na criação dos filhos? Segundo Carolina, as mulheres sempre ocuparam o lugar do cuidar, do fazer e do ter que fazer bem feito, com todas as pressões sociais que cabem a este cargo. E os homens estavam ali para trabalhar, para fazer outra coisa. O trabalho da casa, o trabalho de criação dos filhos nunca foi deles, então ficavam num lugar mais confortável porque não estavam no papel ruim de “dar bronca”, de chamar atenção, de pedir para pegar a coisa que está jogada no chão, de fazer a lição, de fazer isso.

“Essa também, de novo, é uma mudança estrutural, a partir do momento que você vai criando filhos, meninos e meninas com maior igualdade dentro de casa e dando para os dois responsabilidades e equilibradas, você vai transformando, trazendo esse menino que vai crescer e se tornar um homem para um outro lugar de responsabilidade dentro da família. Então é essa mudança que a gente vai fazendo ao longo do tempo”.

 

Adolescentes provocam tormentas, mas eles não são um tormento 

Em um artigo publicado próximo ao Dia das Mães de 2024 no Estadão, Carolina defendeu que é natural pais e mães enxergarem a adolescência dos filhos como uma tormenta, mas tratar a fase desta maneira só reforça um estereótipo duro de ser carregado pelos próprios adolescentes.

“O maior desafio de criar filhos adolescentes não é lidar com todas as queixas que rapidamente sabemos elencar, mas se dispor – se colocar à disposição – de estabelecer uma conversa possível com eles. Sim, existe uma conversa que é possível de acontecer e a grande maioria de nós não está disponível como estava para essa mesma pessoa quando ele tinha 2, 3, 5 anos. Se reconhecer como pais de um adolescente é uma conversa possível, mas é preciso olhar para essa figurinha que você diz não mais reconhecer e reconhecê-la. Como alguém que cresceu, que diz o que pensa, que tem vontades próprias e nem sempre vai te abraçar e dizer que te ama. Ainda que te ame profundamente”, afirma no artigo. 

 

Quem é Carolina Delboni: Carolina Delboni é educadora, escritora, colunista do @estadao, psicanalista da adolescência pelo Sedes e especialista. Instagram: @carolina_delboni

Matéria escrita por Tatiana Bandeira @tbandeira

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