Coluna

O que não te contam sobre imigrar

Por Lívia Pinent*

Eu sempre quis morar fora do Brasil. Mas eu sabia que sair do país não era só uma questão de escolha pra mim, mesmo sendo parte de uma classe média privilegiada. Sem passaporte de família europeia e com a grana apertada, eu via que a minha oportunidade de morar fora estava nos estudos. Se eu fizesse tudo direitinho, boas notas, matrícula na Federal, iniciação científica, congressos e artigos publicados, eu conseguiria uma bolsa de pós-graduação no exterior.

Leia mais sobre a experiência de mulheres brasileiras vivendo no exterior: Andarilhas pelo Mundo.

E foi quase assim aconteceu. Eu entrei primeiro numa Universidade privada, depois troquei de curso e passei na Federal. Durante os dois cursos, eu sempre estagiei e antes de formada eu já tinha aberto o meu negócio. Consegui entrar no mestrado da Federal também, e o plano andava bem. Até eu decidir fazer o doutorado fora do Brasil.

Cheguei a tentar bolsa para doutorado pleno no exterior, mas não consegui. Meu pai então se ofereceu pra me ajudar com as mensalidades, e eu trabalharia durante o curso pra me manter. Por isso eu escolhi Portugal. Das opções que eu tinha na época, era a única pagável. E era a porta que eu precisava para entrar na Europa.

Eu fui para Portugal em 2015, com o plano de morar em Braga, onde era o meu doutorado, mas me mudei pro Porto, ali pertinho. Amava a minha rotina de pegar o comboio no Porto toda sexta-feira e passar o dia na Universidade. Os portugueses achavam estranhíssimo eu passar 1h e tal no trem pra poder chegar na aula. Amores, eu estudava no Campus do Vale! Sou PhD em pegar 2h de trânsito lendo os textos antes da aula no busão lotado.

Quando o meu primeiro semestre de aulas acabou, eu comecei a procurar mais efetivamente por trabalho em Portugal. Eu tinha ido pra lá com uma graninha pra me manter algum tempo, me achando super planejada e organizada. Só que não.

Encontrar trabalho em Portugal levou o dobro do tempo planejado com metade do salário esperado. Essa é a vida do imigrante: o dobro do tempo para conseguir tudo, pela metade do seu valor. 

Eu ouvi os mais variados absurdos enquanto buscava um emprego em Portugal. Que meu currículo no Brasil não valia muita coisa, que meu inglês não era bom porque eu aprendi no Brasil, que a escola pública no Brasil era ruim e portanto, como eu fiz UFRGS, o meu desempenho escolar devia ter sido ruim.

Imagina o que isso faz pra auto-estima de alguém que está longe de casa, que não tem nenhuma referência naquele país novo, que tá com saudade da família, dos amigos, até da agência onde trabalhava?! E ainda ouvir que todo o seu esforço e planejamento de anos não foram suficientes?!?

Em algum momento, eu achei um trabalho. Um freela. Fiquei quase um ano produzindo conteúdo para uma agência, e tendo que agradecer às deusas por ter achado trabalho na minha área. A minha psicóloga na época, uma Portuguesa que me julgava o tempo todo e não entendia as diferenças culturais, dizia que eu tinha que ser grata ao meu “trabalhinho” porque “é tão difícil, principalmente para vocês imigrantes”, e se a carga estava muito pesada era para eu considerar largar o doutorado. Larguei a psicóloga.

Depois achei outros trabalhos mais legais, mas tive um burnout e fiquei um ano sem trabalhar pra conseguir terminar o doutorado. Terminei, defendi a tese, e enfim eu tinha o meu título, aquilo que eu fui pra Portugal buscar. Ainda fazia sentido ainda ficar naquele país? 

Não, não fazia. E mais uma vez eu comecei a planejar uma mudança de país. Mas quis a vida me mostrar, de novo, que uma linha nem sempre é reta e cá estou calibrando a rota.

Em 2020, no meio da pandemia, me mudei para Bruxelas, na Bélgica. Não posso dizer que tive uma grande experiência cultural Belga, porque peguei o exato período do segundo lockdown. Não fui a restaurantes, bares e cafés. Mas consegui comer waffles e frites nos food trucks que existem espalhados pela cidade. E que cidade linda. Sou apaixonada por Bruxelas, mas não posso dizer se é bom ou é ruim pra imigrante. Eu fui só uma quarentener na Bélgica.

Quando as viagens não essenciais foram autorizadas na Bélgica, eu me mudei de novo. Atravessei a fronteira para França e cá estou em Toulouse, no Sul do país. Talvez daqui há alguns meses eu possa dizer pra vocês como é ser uma imigrante brasileira na França. 

Por enquanto, o que eu posso falar com propriedade é da minha experiência na terrinha. Teve muita coisa boa. Teve muita amiga querida que virou família. Teve muito vinho bom aproveitado em cenários inacreditáveis. Tiveram oportunidades de trabalho incríveis que me projetaram pro mercado internacional de um jeito que eu nunca conseguiria do Brasil. Por isso, eu vou ser grata sempre à Portugal, o país que me acolheu. Mas foi (e ainda é) duro.

Eu quis sair de Portugal para deixar de ser a “brasileira’ e ser só uma imigrante. Ou melhor, uma ex-pat (expatriada) que é como se chamam os imigrantes do Norte global. Veio da América Latina, é imigrante. Veio dos Estados Unidos, é ex-pat.

Valeu a pena porque aprendi muito nessa trajetória. E o que aprendi, eu posso tentar resumir pra vocês aqui:

  • Tudo leva o dobro do tempo pra ti. Até fazer supermercado. A gente não reconhece as prateleiras, o mercado não é organizado direito (saudades, Esquilo) e as marcas são diferentes. Uma vez eu chorei no corredor dos produtos de limpeza porque não achava água sanitária. Uma senhorinha me ajudou, e eu ajudo aqui também as futuras desbravadoras de Portugal: é lixívia que chama lá.
  • O dinheiro encurta, e a culpa não é só do câmbio. A gente não sabe comprar as coisas direito, ainda não manja de usar os cartões do super e aproveitar as promoções, e gasta em bobagem só por não saber comprar. Dica: pede ajuda pros outros imigrantes que estão na cidade há mais tempo. Eles vão saber os truques todos.
  • É um salto sem rede. Quando nos mudamos de país, abrimos mão das redes de apoio que tínhamos em casa, seja a rede de afetos (família e amigos) como as redes de influência (trabalho e amigos). Tem que fazer isso tudo de novo. Ninguém sabe se a sua escola era legal, se a faculdade que você entrou era prestigiada (e isso vale muito em Portugal), quem eram os clientes que você atendia. Eu nunca tinha me dado conta da minha imensa rede de privilégios em Porto Alegre até me ver sem ela no Porto.
  • O seu trabalho vale menos. O trabalho do imigrante vale menos e a gente se sujeita a coisas que jamais faria no Brasil, por preços que jamais cobraria no Brasil, só porque precisa comprar lata de atum.
  • Pra mulher, é tudo duas vezes mais difícil. Em Portugal, brasileira é tudo puta – desculpem o meu francês. Tem que provar que não quer roubar marido de ninguém, que tem capacidade, que é inteligente. Dizer que eu não falo errado, eu falo português brasileiro…é cansativo. Eu tive o privilégio de arranjar trabalho na minha área, mas nem toda imigrante consegue. A maioria vira autônoma. O Alto Comissariado para as Migrações em Portugal fala em 65% dos novos negócios no país sendo abertos por brasileiros, e 75% destes, por mulheres. Parece um dado bom, de que estamos dominando o cenário, mas é um dado ruim de que não estamos sendo absorvidas pelo mercado local e que fomos as primeiras dispensadas na crise.
  • Conseguir casa também não é nada fácil e você vai se mudar várias vezes. Desde que eu vim do Brasil eu já passei por 8 endereços diferentes. E isso é complicadíssimo quando se é imigrante e precisa avisar os serviços públicos que você se mudou. E caro, porque precisa emitir nova identidade, comunicar a vários serviços diferentes porque nada é centralizado, etc. Então é normal você simplesmente não avisar, ter que buscar as suas cartas na sua última morada e descobrir uma multa das Finanças porque esqueceu de declarar qualquer coisa.
  • O que me leva pra outra dica sobre Portugal: conheça um bom contador, ou contabilista como chamam por lá. Impostos e prestação de serviços vão parecer simples em comparação ao Brasil, mas não são.
  • Esquece trazer pão de queijo e doce-de-leite. Isso tem em Portugal. O que tem que trazer na mala são recordações. Lembranças de dias felizes, de momentos em que se sentiu muito amada. Isso que importa aqui. Olhar pra aquela lembrancinha que a tia entregou antes do embarque enche o coração de amor. Amor é que é ingrediente raro fora do Brasil. 
  • E as casas não têm aquecimento na maior parte de Portugal. Achei que era importante mencionar.
  • Vai ver que a saudade vem das coisas pequenas. Os grandes gestos a gente lembra, claro, mas é o detalhe do dia-a-dia que faz falta. Pra mim, é o cheirinho da minha mãe que eu sinto quando eu abraço ela e me aconchego naquele cantinho entre o ombro e o peito. O cheiro do churrasco de domingo do meu pai, um jeito gaúcho de dizer “tô aqui, filha”. O espirro engraçado da minha irmã de manhã quando ela pega o primeiro sol do dia. O som do meu sobrinho jogando videogame no quarto da frente…e por aí vai.

Esse é um recorte da minha experiência e não reflete o todo (nem pra bom, nem pra ruim), mas são pontos que eu achei relevante compartilhar para, quem sabe, influenciar alguém. Eu sei que outras mulheres imigrantes tiveram experiências diferentes, vemos a vida por várias perspectivas, mas tá aí o meu ponto de vista.

Sinta-se à vontade para contribuir com a lista, e até discordar dela! E nos conte a sua experiência aqui nos comentários: o que não te contaram sobre imigrar?

*Lívia Pinent é antropóloga pela UFRGS (BR) e doutora em Comunicação pela Universidade do Minho (PT). Atualmente mora entre Bruxelas e o Porto, e contribui para a Fala Feminina com artigos e estudos estratégicos.

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