Dá para ser feminista rebolando até o chão

Quem é Gabbi Chultz, porto-alegrense que criou dança sensual amparada em pesquisa acadêmica e tem inspirado o empoderamento feminino

Doutora, empresária, empreendedora, atriz, dançarina e professora de dança, ela é força e atitude em movimento. Gabbi Chultz não dá um passo à frente se não for para sentir prazer no que estiver fazendo. “O que faço é com minha vontade, o meu desejo, e isso se conecta com muitas pessoas”, afirma a porto-alegrense de 29 anos, idealizadora da Sensual Hip Dance, marca e aula de dança que ensina, basicamente, a rebolar e extravasar sensualidade. Mas é bem mais do que isso, é um conjunto de anos de pesquisa e muita dedicação para criar um ambiente de acolhimento, que tem cada vez mais ultrapassado os limites do My House, seu estúdio de dança em Porto Alegre.

Formada em Teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gabbi é mestre em Artes da Cena e, em 2021, concluiu o doutorado na mesma instituição, com uma pesquisa em torno de artes e danças sensuais, inclusive eróticas. “Trouxe a problematização paradoxal do que é o corpo feminino, nu. Quando é poder, quando é objetificação, que paradigmas políticos, sociais e feministas temos aí. Foi também uma longa busca pessoal e psicológica, de entender quem eu sou”, conta. 

Seguir a carreira acadêmica na área artística foi uma escolha natural para Gabbi, uma pesquisadora incansável. Avessa à superficialidade, suas escolhas uniram seus prazeres de ler, estudar, ir a fundo nos temas que perpassam sua vida, com a dança sensual. “Meu objetivo era entender como validar o que eu faço. Sou uma mulher que lida com questões sexuais, tiro a minha roupa, danço, rebolo minha bunda e quero ser feminista, quero ser respeitada, quero ter poder, quero poder inspirar e instruir corretamente outras mulheres que eu vejo que estão olhando para mim, que estão querendo fazer o que eu faço, que estão querendo essa confiança, que estão querendo ativar esses poderes”, revela Gabbi, falando sobre as várias frentes ligadas ao seu trabalho. Foram cinco anos dedicados ao doutorado, com um extenso estudo que envolveu viagens a Londres, no Reino Unido, onde se apresentou. 

A Sensual Hip Dance surgiu em paralelo a suas pesquisas acadêmicas. A empresária conta que nunca foi uma pessoa de bando, mas de formar o seu próprio bando, buscando aliar suas percepções, ideias e vontades na criação de algo que a realizasse pessoal e profissionalmente e, ao mesmo tempo, oferecesse a mulheres que se identificam com esses desejos novas possibilidades ainda não disponíveis. 

Seu contato com a dança começou aos 7 anos, depois de assistir a uma apresentação de dança do ventre. “Lembro exatamente como foi. Estava em um restaurante árabe com os meus pais e teve essa apresentação. Na hora, fiquei impactada e disse para a minha mãe: ‘não consigo mais comer’. E ela respondeu: ‘nem eu’”, recorda Gabbi. Filha de um casal de médicos que sempre lhe deu muita liberdade para fazer suas escolhas, não demorou para que começasse a frequentar as aulas de dança do ventre ao lado da mãe, que tornou-se sua colega e parceira para ouvir músicas árabes, praticar e, com o tempo, apresentar-se em eventos.

Por volta dos 12 anos de idade, Gabbi conheceu o hip hop e foi aí que começou a surgir a ideia de aliar as duas técnicas: a potência de um com os movimentos sensuais de outro. Ao longo do caminho, ainda introduziu o twerk nessa conjunção, estilo de origem norte-americana com influência africana baseado em movimentos que se concentram nos quadris em agachamentos. “Juntei tudo isso com minha essência de movimento, misturando a sensualidade, o rebolado, criei um nome e deixei ver o que acontecia”, comenta. Mas o sucesso não veio logo de cara. Foram muitos anos testando e tentando novos movimentos, misturando desejos e técnicas até chegar a um formato de aula. “Sempre falo do teórico para o prático, porque muitas pessoas têm dificuldade de valorizar a dança, valorizar a própria arte no Brasil, e ainda mais essas artes que são ditas periféricas. Por trás de todo movimento que é feito tem muito livro, muito estudo, é muito genuíno”, diz. A empresária começou com workshops para pequenos grupos e aos poucos foi vendo o número de alunas crescer, expandiu sua atuação e hoje concede certificação também a quem deseja ensinar a Sensual Hip Dance. Nesse meio tempo, Gabbi viajou para São Paulo algumas vezes e já deu aulas para celebridades como Sabrina Sato, Cleo e Juliana Paes. 

Sem barreiras e sem julgamentos

Quando começou a dar aulas, Gabbi não tinha muito bem definido a quem se destinava a Sensual Hip Dance, quem era seu público-alvo. Ela só queria fazer. No início, as alunas eram muito parecidas com a própria professora, mesma faixa etária, gostos em comum, frequentavam os mesmos tipos de lugares. Mas não demorou muito para que as aulas ficassem conhecidas no boca a boca e começassem a despertar o interesse de outras mulheres, fora deste círculo social. “Percebi que tinha que dar atenção de maneira mais sólida a valores ligados ao  feminismo, a fazer do estúdio um espaço de acolhimento, a uma diversidade de corpos, de ser sensual, de ser mulher”, comenta. 

Hoje, as aulas presenciais no My House e as aulas online na plataforma Pro Dance reúnem mulheres, em sua maioria, na faixa de 20 a 40 anos. “Refinando nosso posicionamento, a gente foi mudando o público também, recebendo pessoas que não tinham experiência nenhuma com dança, mas que estavam extremamente necessitadas desse espaço de conforto, desse aconchego. Trabalho com mulheres que querem estar em um ambiente acolhedor, querem ser sensuais, sexy, querem se despir das suas próprias concepções, dos seus próprios julgamentos. Se tornou um  espaço de autopercepção e de quebrar barreiras”, destaca. 

Agora, Gabbi tem voltado sua atenção para atrair o público acima de 40 anos, ultrapassando qualquer limite de idade na Sensual Hip Dance. “Essas são as mulheres que quero começar a dialogar, a compreender, para abrir esse campo de trabalho. Eu sou elas no futuro, é preciso olhar para isso”, afirma.

Explosão feminista

Conceitos feministas estão entrelaçados a cada movimento de Sensual Hip Dance. Gabbi ensina que a dança é para si, é um prazer individual, mas também para os outros, o que não significa estar se objetificando, mas se fortalecendo e se libertando através do movimento. “Eu danço para mim e também para o outro, mas o outro não tem permissão de me violentar, de me menosprezar ou me desrespeitar por causa disso”, enfatiza. Uma das frentes do trabalho desenvolvido pela empresária é falar de sensualidade e sexualidade sem o que chama de “perfumaria”, mas de maneira aberta e plural, considerando a diversidade femininas. 

Para Gabbi, é importante desartificializar o que é o próprio sexo, o próprio prazer e reafirmar esses lugares diariamente, sem “maquiagens”. “O sexo não é dos homens, a questão do poder sexual é entendida como verbo e ação do masculino sobre e dentro do feminino. E o sexo é visto como substantivo, como uma coisa. O mundo patriarcal, capitalista, enxerga o sexo como domínio do masculino. Por isso, nossa ambição de dançar sensualmente, explorar a sexualidade, o prazer através da dança é justamente para pegar de volta o que é nosso”, defende. Rebolar, passar a mão pelo corpo, se expressar sensualmente se tornam, assim, gestos de poder, de libertação de padrões sociais que vêm sendo debatidos constantemente.

Conteúdos empoderados na internet

Mundo acadêmico, estúdio de dança e agora também em podcast. Desde maio deste ano, Gabbi está no ar no Spotify e no YouTube com o Sensual Hip Cast, podcast com episódios quinzenais em que recebe mulheres dos mais variados perfis, idades e profissões para conversar sobre temas pertinentes ao universo feminino. O programa já estava nos seus planos há algum tempo e ganhou o primeiro capítulo no dia 18 de maio, com o tema Expor o corpo feminino é sinônimo de poder? Das divas pop às mulheres comuns, abordando a hipersexualização do corpo, objetificação e empoderamento. 

Embora leve o nome do estilo criado por Gabbi, o podcast não é sobre técnicas de dança, mas vem, sim, para reforçar as pesquisas e conversas em torno do problematização do corpo feminino, da sensualidade e da sexualidade, cruzando por temas comuns a muitas mulheres. “A dança é um ponto de partida, mas a ideia do podcast é ajudar mais alunas, oferecer a elas conteúdo para que tenham suas opiniões e argumentos elaborados sobre cada um desses assuntos que serão abordados, levando esses temas para além das aulas de dança”, descreve. 

A escolha das convidadas prioriza a diversidade, incluindo mulheres de faixas etárias diferentes, com experiências de vida diferentes. “O podcast vem pra dizer que não é só mostrando a bunda que a gente mostra nossos poderes, a gente também tem um poder reflexivo, poder de fala, de debate”, enfatiza.

Ao final de cada episódio do Sensual Hip Cast, Gabbi pede a suas convidadas que digam o que entendem como feminismo. A discussão sobre o conceito é uma constante em sua vida e tem recebido as mais diversas respostas. A dançarina revela que a sua busca pelo entendimento do que é ser feminista começou desde cedo, mas por muito tempo se sentiu criticada pelo feminismo que conhecia até então. “Consegui finalmente encontrar um primeiro lugar de identificação próximo às prostitutas, por meio do livro Putafeminista, de Monique Prada. Ali vi que se estou sendo criticada por rebolar minha bunda e elas também estão fora deste dito feminismo que é mais fechado, mais conservador, mais radical, tenho que conhecer e ouvir essas mulheres”, conta.

A partir de suas pesquisas, então, Gabbi passou a se deparar com uma pluralidade de feminismos, de mulheres brancas, negras, indígenas, cisgênero, homossexuais, transfeminismo, feminismo lésbico, feminismo radical, feminismo protestante, feminismo das prostitutas, uma explosão de feminismos. “Existe uma diversidade com que a gente pode se identificar. Feminismo não é sobre caixinhas, cada mulher tem a sua própria construção, suas vivências. Existe um feminismo que não gosta do que faço, mas existe um que precisa de mim. Acima de qualquer coisa, feminismo é uma busca incessante pelos nossos direitos básicos, de vida. Se estão morrendo mulheres por serem mulheres, não tem como não ser feminista”, resume. 

Dicas de livros da Gabbi

Explosão feminista: Arte, cultura, política e universidade
Heloísa Buarque de Hollanda
Companhia das Letras; 2º edição (2018)

Putafeminista
Monique Prada 
Editora Veneta; 1ª edição (2021)

Onde encontrar Gabbi Chultz

@sensualhipdance
Podcast
YouTube
Aulas online

My House
Rua Surupá, 197 | Bairro Jardim Botânico | Porto Alegre – RS

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Este post tem 3 comentários

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