Por anos, as mulheres estiveram subjugadas à imagem e aparência. No século passado e nos anos iniciais deste que vivemos, a questão proeminente foi um corpo magro e delgado, quase como um objetivo de vida. Agora, porém, as coisas começam a mudar.

Fotos: Carla Zigon


Ser magra foi uma questão de existência para mulheres e adolescentes durante muito tempo. Mas elas mesmas estão liderando esta mudança social e cultural sobre o estereótipo de beleza. Protagonistas das suas vidas e de suas relações, sejam profissionais ou pessoais, as mulheres não querem mais se deixam inibir por um padrão ideal de corpo baseado nos seus quilos. Porque, afinal, é ideal para quem?


Professora de museologia, área em que se formou na UFRGS, Pri Chagas conta que sofreu com idas e vindas na balança até encontrar seu momento de transformação. Ela é doutoranda na UFPEL e no Instagram, onde tem quase 3,5 mil seguidores, se autoproclama “gorda e feminista”.

“Lembro de ter uma infância dentro da escola muito positiva, mas também tinha muito bullying, porque fui uma criança acima do peso até certa idade. Lembro de no Ensino Fundamental sofrer muito bullying em relação ao meu corpo e, depois, quando fui ficando mais pré-adolescente, isso foi mudando”, conta Pri, que já foi capa da revista “Donna”, do jornal Zero Hora.

A vida como modelo surgiu em 2015, concomitantemente à docência, pesquisa e consultoria de projetos culturais para museus. Na época, Pri fez umas fotos com o amigo Yuri Rupental para o projeto “Diva-me”, e o sucesso nas redes sociais a levou ao conhecimento de grandes marcas.

Top Model Plus Size

“A partir dessas fotos, que postei no Instagram, alguns lugares começaram a me chamar. Um deles foi o concurso Top Model Plus Size, que foi como cheguei ao meio da moda. Esse concurso me possibilitou conhecer necessariamente o que era isso, a moda plus size, que era uma coisa muito nova pra mim, eu não tinha essa noção. A partir dali, conheci algumas agências de modelo, fiz novas fotos… Sempre postando nas redes sociais.”

Em seguida, ela despertou o interesse de outras agências e começou a ser chamada para fazer alguns testes. A “virada”, no entanto, aconteceu em 2017, quando foi chamada para fazer um teste para um comercial da revista Donna, que marcou um reposicionamento da publicação. “Depois disso, as coisas começaram a acontecer, foi aí que criei essa nova profissão, que não tinha até o momento, que era de modelo, e um pouco de atriz, porque depois eu acabei fazendo outros comerciais e percebi que a extroversão como professora me ajudava bastante a atuar nesses testes e como modelo fotográfica”, detalha, Pri, que agora concilia a vida de pesquisadora com a nova ocupação.

“Muitas pessoas que me conhecem da academia acham surpreendente esse fato de que eu sou modelo quando veem alguma propaganda ou um trabalho circulando, e ao mesmo tempo quem me conhece na moda se surpreende por toda minha trajetória dentro da academia”.

Vida afetiva, relacionamentos abusivos e papel social

Em relação à vida afetiva e corpo gordo, Pri fala que sempre foi muito namoradeira, começando a se relacionar com 15 anos. “O ponto negativo é que quanto menos satisfeita com meu corpo estava, quanto mais adoecia por estas questões de padrão de beleza e autoestima, mais eu me vinculava a homens e relacionamentos abusivos. Isso se tornou evidente nos últimos cinco anos e, atualmente, estou solteira justamente porque realmente meu foco é minha vida profissional. Eu estou bastante dedicada não só à minha carreira mas à militância também”.

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Para Pri, há uma função social envolvida na docência na área da cultura e educação, assim como ser modelo plus size. “A gente está militando por causas sociais e por causas de quebra de padrão de beleza, para que as mulheres realmente possam se sentir livres e encorajadas a ser quem elas são. E quanto mais a gente fica consciente disso, mais fica exigente em relação aos nossos relacionamentos. Então, não poderia me relacionar hoje com um homem que não entendesse a prioridade que dou à minha vida profissional e que não entendesse os meus novos posicionamentos e novos olhares sobre a mulher, a liberdade da mulher, essa força da mulher, o respeito que eu quero ter enquanto mulher, enquanto profissional, enquanto pessoa. Me identifico como uma mulher feminista e não poderia me relacionar com alguém que não respeitasse quem eu sou e respeitasse as minhas profissões e as minhas militâncias. Afetivamente estou bastante próxima de amigos e por enquanto estou bastante feliz e satisfeita assim”, explica.

“Eu não poderia me relacionar hoje com um homem que não entendesse a prioridade que dou à minha vida profissional e que não entendesse os meus novos posicionamentos e novos olhares sobre a mulher, a liberdade da mulher, essa força da mulher, o respeito que eu quero ter enquanto mulher, enquanto profissional, enquanto pessoa. Me identifico como uma mulher feminista e não poderia me relacionar com alguém que não respeitasse quem eu sou e respeitasse as minhas profissões, e as minhas militâncias”.

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Desconstrução e alimentação como válvula de escape

Sobre a relação com a comida, depois de ter feito terapia e de ter passado por toda a desconstrução que ainda está vivenciando, Pri percebe que após anos usando a alimentação como válvula de escape para diferentes frustrações, consegue apreciar a comida e a gastronomia.

“Por um tempo a comida não era vista como algo positivo porque sempre tive muita facilidade para engordar por questões de metabolismo. Então tinha uma relação muito ruim com o meu corpo e eu associava a comida a algo ruim. A comida acabava me adoecendo por que ou eu comia demais ou não comia nada”, fala. “Então tive transtorno alimentar na minha adolescência e no início da vida adulta. A relação com a comida não era saudável e isso tem tudo a ver com essa obrigação que a mulher tem de se enquadrar num determinado tipo de corpo, como se todas as pessoas conseguissem ter ou ser o mesmo biotipo, o que não existe. Hoje entendo isso. Então consigo compreender que tinha compulsão alimentar e atualmente trabalho essa questão. Agora consigo apreciar, comer bem sem passar mal e também não me privo de comer absolutamente nada. Hoje eu não vivo de dieta!”.

Relação com as seguidoras

Pri diz que a relação com as milhares de seguidoras é bastante positiva. “Tem essa troca, tem carinho, tem ajuda, uma posta uma coisa que ajuda a outra. Me vejo mais como uma grande amiga virtual de todas essas mulheres e elas são minhas amigas e eu sou amiga delas. A gente vai trocando informações, ideias, estratégias e sobrevivendo num mundo que é preconceituoso, num mundo que é machista, que é gordofóbico. A gente tá aí, colocando a cara a tapa, eu sei que eu e outras várias mulheres, nós somos a linha de frente de uma discussão bastante contemporânea. Às vezes a gente recebe mensagens ruins, recebe ódio, recebe preconceito, recebe intolerância, não só eu como outras mulheres que recebem bem mais. Quanto mais a gente se expõe, mais está passível de receber isso, mas hoje excluo, bloqueio, e só penso no positivo. Às vezes não posto nada, depende de como está meu dia, por isso que também não me considero uma blogueira. Eu sou uma mulher que uso as plataformas para falar com algumas pessoas e sou quem sou”.

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Ficha técnica ensaio Pri Chagas
Fotos: Carla Zigon
Cabelo: Joseph Lossalda
Beleza em casa (aplicativo): Beca
Roupas: Chica Bolacha
Lingerie (feira plus size): Viviane Lemos

 

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