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A arte de ser o que se é

Quando a cultura, a arte e a educação blindam a vida contra a mediocridade dos preconceitos. Conheça a história de Ana do Canto, uma mulher trans, ou, uma mulher.

Ana Luiza do Canto se desvencilha do senso comum. É uma mulher trans. Ou melhor, é uma mulher. E ponto. Sobre a transição, já com 20 e tantos anos, não lhe interessa muito falar, porque foi sem sobressaltos, sem grandes descobertas e revelações. Ela sempre se entendeu como mulher, e a fartura cultural e intelectual dos ambientes que circulava desde pequena não permitiu percalços e dissabores sobre o retrato que tinha de si mesma.

 A mãe, pianista e soprano lírica, concedeu-lhe desde muito cedo o entendimento e o respeito sobre a identidade, ainda que a transição de gênero tenha ocorrido depois do falecimento dela. Deixou como herança as tintas necessárias para ela colorir o mundo a sua maneira, sem traumas, longe de preconceitos e de limitações da ordem das mesquinharias. A mãe foi para Ana uma referência, um porto seguro, onde ela ainda ancora seus princípios.

Mãe de Ana

– Ela foi meu modelo de mulher.  Era muito à frente de seu tempo, muito múltipla. Foi ela quem me deixou essa base cultural, de ler muitos livros, de gostar do conhecimento. Quando se tem isso, não se dá importância a questões supérfluas – conta.

E o supérfluo seria tudo aquilo que estivesse à parte do conhecimento. Ana formou-se  em Direito, Jornalismo e Artes Plásticas, esta última em Nova York. Fez mestrado em Direito Internacional na Sorbonne, em Paris, e outras pós-graduações que, a cada tempo, alimentavam sua necessidade de saber. É fluente em inglês e francês. Foi a trinca cultura, arte e educação que deu base à Ana para enfrentar o mundo com racionalidade. Nas questões de gênero, reconhece, a passabilidade cis – diz-se de características físicas que não suscitam dúvidas quanto ao gênero  – contribuiu muito para que a transição fosse tranqüila.

– Isso facilitou muito claro, porque a leitura das pessoas é de que eu sou uma mulher, então a vida fica mais fácil. E eu sempre soube quem eu era e vivia num meio que nunca foi obstáculo para isso. A cultura permite que tu faças qualquer mudança na vida – diz.

Reservada, como aprendeu a ser no seio de uma família tradicional de Porto Alegre, Ana mantém uma rotina discreta, de poucos amigos e muitos livros e o namoro com um ator sueco, cujo nome ela prefere não divulgar além de seu círculo mais íntimo. Teve cinco namorados ao longo da vida, todos, segundo ela, homens brilhantes. Não tem televisão em casa, aderiu a uma alimentação vegana e diverte-se com requinte, apreciando Mozart, Bach, Virginia Wolf, Catarina de Aragão e outras mulheres que se destacaram no mundo.  A transgeneridade nunca se sobrepôs ao caminho que Ana decidiu cultivar, tampouco reduziu horizontes, desejos e sonhos

– Ser uma pessoa trans não é a minha vida. Minha vida é ser inteligente, produtiva, feliz e fazer o que eu gosto.

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