Foi difícil engatar na história de Anora, a menina que vende seu corpo em um clube noturno. Ela sobrevive com o dinheiro que os homens depositam em sua calcinha. A noite é um brilho intenso, mas quando amanhece, Anora retorna à dura realidade da pobreza. A atriz Mikey Madison entrega uma interpretação arrebatadora, trazendo à tona a luta diária de jovens sem acesso à escola e à saúde, descendentes de imigrantes, que buscam qualquer saída para existir.
Anora sonha com uma nova vida e conhece um jovem que promete um desfecho diferente – um final feliz. Mas esse enredo, tão comum nos contos da Disney, não se aplica à realidade das meninas pobres, cuja fantasia é arrancada pelo uso e abuso do corpo, dominado pela força masculina, pelos muito ricos e por seus “príncipes” vazios, e desencantados que também parecem condenados a reproduzir a violência como herança familiar, sobretudo a violência contra as mulheres.
O final do filme é emocionante. A jornada de Anora culmina na conquista da consciência – o único e verdadeiro caminho para a libertação das mulheres.
E, mais, tudo se alinha com o nosso momento na Fala Feminina, de dialogar com os novos homens. Como diz Bell Hooks, é preciso desconstruir os homens de hoje, e construir os homens do futuro. O filme propõe esse diálogo, ao apresentar um homem que trilha o mesmo caminho de Anora, que se recusa a compactuar com o que lhe é imposto. Esse homem, que se vê refletido na figura de Anora, também não existe, não é visto e serve apenas para cumprir ordens.
Anora não é pouca coisa!
É um filme sobre mulher – uma mulher jovem, em um mundo que ainda define seu valor pelo corpo e o uso sobre ele.
Fátima Torri é jornalista e fundadora da Fala Feminina.