Nos conhecemos em uma festa que comemorava os 60 anos de uma amiga de ambos. Nessa comemoração tecemos um breve diálogo sobre viagens. E cada um seguiu seu destino.
Eis que nos reencontramos em um app de relacionamento. Ele deu like e eu, o reconhecendo, dei like também. Imediatamente, achei estranho, pois ambos tínhamos trocados nossos contatos de rede social. Enviei msg dizendo: olhe quem encontrei por aqui! Inseri a foto e o banal “kkkk”. Não obtive retorno.
Aliás, o retorno aconteceu em uma outra interface dele, criada recentemente.
Comentou que era um ser analógico e havia me retornado pelo Instagram, pois uma menina lhe havia dito que sem isso ele inexistia no planeta.
Conversamos rapidamente, combinando assistir um outro amigo músico em um bar. Aqui a conversa rendeu pois fomos saídos quando as cadeiras já estavam empilhadas sobre as mesas. Sendo os dois escritores, trocamos muitas ideias e experiências sobre nossas escritas, sobre educação, política, filosofia sem nos darmos conta do tic-tac do relógio.
Na despedida, combinamos encontrar um tempo para cada um ler algo produzido pelo outro. E o questionamento dele sobre meu critério para estabelecer alguma relação, ao que respondi: mais massa cerebral do que massa corporal, com o que disse concordar.
Alguns dias se passaram, e recebo o convite para um café. Ótimo! Vamos tomar um café sim, pois já estou prestes a retornar para minha casa em outro Estado. Escolhi um café com livraria, final de tarde.
Estávamos em um diálogo bem legal quando escutei: vamos falar sobre nós.
Ok, respondi. Foi aí que o menino de 60 anos se sentou à minha frente, dizendo ter muita dificuldade em se relacionar com senhoras de mais de 50 anos.
Argumentou que talvez isso se devesse pela fisionomia dele, que parecia a de um garoto, e era tratado como tal pelas pessoas que conhecia.
Aliás, a tendência era de estabelecer vínculos com jovens maiores de idade, mas sem ultrapassar essa linha de meio século.
Entre tantos argumentos apresentados para consolidar suas escolhas, a gestão financeira das relações com mulheres, também estava na lista:
As mais jovens dividiam a conta, ou melhor, pagavam o que consumiam enquanto as idosas de 50(+) apresentavam a tendência a querer que os homens pagassem integralmente ou dividir, quando na verdade a maior parte do gasto era delas.
Concluiu essa questão dizendo ser, talvez, uma questão geracional.
Pensava muito, dizia ele, sobre esse assunto, visto não ter nenhum interesse em constituir família e, mulheres mais jovens têm desses sonhos; certamente, com a mãe morando com ele definitivamente e a filha de 8 anos poderiam gerar problemas também.
Por último, sim, as mulheres-meninas com quem se relacionava precisavam ter intelectualidade, é claro.
Eu, sem interromper, falava com meus botões – qual o objetivo dessa narrativa? quando veio a frase do entendimento da tal conversa: te convidei para dizer que… Então! Vamos ser amigos.
OI?!
Sim, mas pensei que já éramos amigos, respondi.
Ao que me foi dito que o reencontro foi em um app de relacionamentos. Amizade já não faz parte dessa categoria? retruquei.
Enfim, após uma risada, perguntou sobre os meus critérios nas relações.
Eu respondi que me relaciono com pessoas das mais diversas idades, aliás nem pergunto sobre essa questão, pois acredito que, aprendo e contribuo com todas as faixas etárias.
Mas se ele se referia a relações amorosas, sim, tenho dois critérios iniciais, inegociáveis: o primeiro é o intelecto e o segundo estando eu, na casa dos 60 anos e sendo hétero, com homens, não com garotos.
E minhas despesas são de minha responsabilidade desde que saí da casa de meus pais. O que já faz muito tempo. E muitas vezes, independentemente da natureza da relação, recebo e oferto a gentileza de pagar a conta ultrapassando o limite do que consumi ou até de forma integral.
Após isso, agradeci aos céus por ter enviado as gotas de chuva sobre a mesa que fez com que eu obtivesse, de forma educada, a porta de saída daquele café. Paguei minha conta, chamei o Uber para voltar para minha casa. Ao me despedir, o garoto de 60 anos pediu para que mantivéssemos contato pois eu era uma senhora de 60 anos muito inteligente e interessante.
Sem palavras…
Iara Tonidandel: natural de Porto Alegre, é escritora e fotógrafa na empresa ClickIara. Estudou Escrita Criativa e tornou-se mestre em Educação pela PUCRS.