Clara Corleone e Fernanda Copatti em um bate-papo franco sobre feminismo e as amarras impostas às mulheres
Passava pouco das 18 horas quando Clara e Fernanda se encontraram pela primeira vez. Em uma casa de shows supercharmosa no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, cujo nome é inspirado na atriz burlesca norte-americana Dita Von Teese, elas foram apresentadas.
O cenário não poderia ser melhor, palco dos saraus literários protagonizados por Clara e que também já teve os shows de Fernanda na programação. A decoração inspirada nas tendências das décadas de 1940 e 1950 e a cartomante, atendendo clientes que faziam fila para ouvir suas previsões ao fundo do bar, deram o tom da conversa entre as idealizadoras de projetos que colocam a mulher no seu devido lugar: qualquer um, desde que seja de sua livre escolha.
Clara é a quarta dos cinco filhos da enfermeira Ana e do engenheiro mecânico Figueiró. Os irmãos, suas grandes paixões, ganharam dos pais nomes de músicas do Chico Buarque: Carolina, Joana, Pedro e Ana Helena. Ela herdou Clara da personagem principal do livro “Casa dos Espíritos”, de Isabel Allende.
Fui interpretada por Meryl Streep no cinema. Isso supera minha frustração por não ser melodia do Chico (risos)
Formada em artes dramáticas pela UFRGS, Clara Bischoff Alencastro ou Clara Corleone, como se apresenta, é uma mulher de voz levemente rouca e com alta capacidade de articular suas ideias. Em poucos minutos de conversa, derruba qualquer pré conceito sobre feminismo, escolhendo com maestria as palavras para dialogar sobre esse tema. Às vezes revira os olhos discretamente, porque rótulos, sejam quais forem, não são para ela.
– Quando eu era bem novinha li um livro chamado “O diário supersecreto de Carolina”. Na época, precisava criar uma personagem a partir da obra e apresentar para a minha turma da escola. Inventei que a personagem era superfeminista. Na hora de mostrar aos colegas, risquei essa parte por medo do que os meninos e as meninas iriam pensar sobre mim. Os rótulos negativos sobre o feminismo são cuidadosamente construídos pela sociedade para gerar essa aversão que tanto observamos por aí. Ninguém quer tê-los. Naquele tempo, nem eu.
Decidi me amar. Me aceitar verdadeiramente. Entendi que um corpo é um corpo, não importa como ele seja. Todos os corpos têm sua beleza.
Mas essa chave virou há quatro anos, quando Clara estava na casa de amigos para uma festa na piscina e precisou “aparecer” em público de biquíni. Muitas mulheres vão entender o pânico, a insegurança e a vergonha que sentiu.
– Fiquei nervosa sobre o que iriam achar do meu corpo. Então me dei conta de que essa história de se encaixar em um padrão para ser feliz atrapalhava a minha vida. Decidi me amar. Me aceitar verdadeiramente. Entendi que um corpo é um corpo, não importa como ele seja. Todos os corpos têm sua beleza. Esses dias uma amiga comentou: “como você está magra!”. Minha reação, sem querer, foi grosseira. Mas porque realmente acho esse papo chato. Meninas crescem ouvindo: “como você é linda. Como está acima do peso. Como está magra”. Os meninos escutam que são espertos e corajosos. E aí, passamos nossas vidas presas a estereótipos que criam para nós, acreditando que precisamos fazer parte de um modelo ideal para sermos felizes. Chega disso.
Bailarina
A conversa cruzada entre Fernanda Copatti e Clara não foi por acaso. Além de artistas, ambas lutam por um mundo mais igual. Prestes a se formar em jornalismo na PUCRS, ela, que brinca sobre os anos que já soma de faculdade, é uma personalidade à parte. Sedutora sem se esforçar, Fernanda diz que já nasceu cantando. Deixou o curso voltado às notícias de lado por um tempo para se dedicar aos palcos. Foi nessa transição profissional que surgiu o projeto Pra bailarina que eu não fui, o qual conta a história de uma bailarina cansada de dançar.
– Passei por uma ruptura muito grande na minha vida e criei essa personagem. Uma bailarina que cansou de dançar, das dietas, das roupas cor-de-rosa e que teve o coração roubado. Então ela se desbailariniza e sai por aí, em busca das suas emoções perdidas. Pra Bailarina que eu não fui tem muito de mim. Minha psiquiatra diz que é ótimo que eu consiga extravasar por meio da arte.
Fernanda conta que trocou o figurino clássico da personagem por lingeries ousadas. – Eu senti que a personagem me exigia isso. Não foi uma decisão fácil, mas hoje vejo que foi fundamental, não só pra mim, mas para todas as mulheres que me assistiram. Essa coisa do padrão é muito massacrante. Eu me sinto no dever, enquanto artista, de transformar essa realidade opressora, em algo mais leve e inclusivo.
Mesmo com toda essa consciência, esse foi um passo difícil. Desde pequena, Fernanda esteve acima do peso considerado ideal pela tal sociedade. Hoje, 31 quilos mais magra, assume que, mesmo feminista ainda não conseguiu se desprender dessa amarra.
– Não vou à praia de jeito nenhum. Me sinto uma farsa. Dentro desses figurinos sei que as pessoas me acham incrível. Mas eu não me vejo assim.
É muito importante que a gente aceite as nossas limitações, e que entenda que tudo é um processo. Anos de massacre patriarcal, não vão embora tão facilmente. Passei a não verbalizar comentários sobre roupas, aparência. Acredito que se todas nós, mulheres, pararmos de nos julgar, umas às outras, esse já será um grande passo.
Eróticas
Fernanda tem cabelos longos e crespos que contornam seu rosto de sorriso largo, destacado sempre por batom vermelho. Como boa sagitariana que é, não baixa a voz para nenhum marmanjo atrevido. É dona de outro projeto que tem dado o que falar em Porto Alegre. Com o sugestivo nome “Grelo”, reúne mulheres de diferentes áreas em bares da capital para debater um tema por mês. Vai do erótico ao político.
– O Grelo nasce da ideia de dar voz e vez à arte produzida por mulheres. Mensalmente convido cinco artistas, dou um tema e a gente produz um show. Esse encontro tem sido muito catártico, não só para mim, quanto para todas que participam. É muito importante essa troca de experiências e pontos de vista, esse acolhimento entre nós. Fazer o Grelo é transformador.Adicionar blocoAdicionar bloco
Clara realiza a leitura de contos, às vezes eróticos, escritos por ela uma vez por semana na mesma casa em que conheceu Fernanda para a entrevista, o Von Teese. Além disso, posta com frequência fotos seminuas em suas redes sociais. Despe-se para chamar a atenção de outras mulheres sobre a importância da aceitação de seus corpos. De falar sobre sexo. De assumir que gosta de sexo. Por que não?
– Sexo é tabu desde sempre, né? Ainda mais quando é uma mulher que quer falar. Um lance superbobo, porque todo mundo faz sexo e é importante falar, por motivos que vão desde a prevenção de DSTS, até a questão do orgasmo feminino, por exemplo. Observa a moça que adotou como nome artístico o sobrenome de um dos personagens mais famosos do cinema, Don Vito Andolini Corleone, interpretado por Marlon Brando, Robert de Niro e Oreste Baldini na Saga O Poderoso Chefão.
Fernanda faz o mesmo. Grita. Canta. Dança. Interpreta. Fala de sexo abertamente, lembrando que falar de sexo não significa estar aberta ao sexo com qualquer pessoa ou contra a sua vontade.
– Quando estamos no palco, colocando o assunto na pauta, alguns homens interpretam que nosso corpo está à disposição. Não, não está. É isso que os homens precisam entender e esse é um dos motivos pelos quais eu bato tanto nessa tecla. Faremos sexo com quem quisermos, sim, mas quando quisermos. Sem desrespeito, sem invasão.
A luta de todas
Clara e Fernanda são mulheres comuns. Amigas, ouvintes, inteligentes, criativas, cheias de ideias. São românticas, independentes, às vezes ciumentas. Trabalham. Falam de política, cinema, arte, teatro, sexo. Usam roupas curtas, largas, justas. Lutam por direitos civis iguais entre mulheres e homens. São como você, como sua mãe, sua filha, sua amiga, sua irmã.
Olhe para elas, feministas, e acredite que esse não é um rótulo pejorativo. Ele está em você, mesmo que não acredite ou tenha medo de dizer, como a Clara lá nos tempos da escola. Se você é livre para escolher suas roupas, sua profissão, gastar seu dinheiro, criar seus filhos, expressar sua opinião é porque feministas lutaram por isso. Pratique a empatia por outras mulheres. A luta é por todas e de todas.
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