Brigar com o parceiro ou parceira por conta da toalha largada sobre a cama ou aquela louça que está por lavar é coisa do passado. E quando o assunto é a busca pelo par perfeito, ver o signo no Tinder também já era. A nova onda do momento das brigas de casal ou ponto de vai ou racha pra marcar o encontro é saber se o/a paquera é de direita e esquerda.
Isso mesmo! A polarização também tomou conta das relações. Será possível levar adiante uma relação quando no primeiro encontro se descobre uma bandeira do Brasil pendurada na sacada? Ou quando se entra no quarto e repara no quadro de Che Guevara na parede? Coxinha e mortadela dão match?
Quando alguém de direita encontra alguém de esquerda, a gente logo imagina: leriam juntos Leonardo Padura ou Simone de Beauvoir na cama? Fariam pedidos do Outback bebendo café em canecas da Disney? Ou dividiriam um sanduba no Mercado Público? Ouviriam uma playlist mista com Gilberto Gil e Ultraje a Rigor? Seriam um a metade da coxinha ou mortadela do outro?
Infelizmente a realidade não anda tão romântica e fácil assim. É o que nos contam as quatro entrevistadas, de direita e de esquerda, sobre a busca pelo par perfeito. Para algumas delas, a primeira pergunta que ocorre para o ou a crush é: você é de direita ou de esquerda?
“Além da própria pandemia e do isolamento social, o cenário político tem mostrado como as pessoas pensam e se comportam. Está sendo um período para compreender quem queremos e quem não queremos que pertença ao nosso caminho. Estar solteira não é só uma decisão, mas quase uma necessidade, porque fazer boas escolhas está difícil no momento.
Não é só a resposta sobre “em quem você votou nas últimas eleições?” que conta para sabermos se a pessoa seria um bom companheiro, mas é sobre o que está pensando agora, depois de todo o caos instalado. O que a pessoa está fazendo e quais as bandeiras está levantando, o quanto está se impondo, como demonstra que se preocupa com os outros, num período tão individualista.
É nítido, inclusive, em aplicativos de relacionamentos, perceber quem é capaz de refletir sobre toda situação do país e do mundo e quem pensa que se atirar no hoje é o suficiente para continuar vivo. Há pessoas que apenas tomam atitudes para sobreviver, mas nós precisamos continuar lutando para voltarmos a viver num futuro próximo. Anda cada vez mais difícil acreditar na realização de ter um relacionamento sério, casar e construir uma família, pois o básico numa relação é a conversa. Quando pessoas discordam sobre a visão de mundo, fica impossível manter uma boa comunicação e todo o resto não sustenta.“
Luana Taís Nyland, 33 anos, Analista de Marketing e pós-graduanda em Gestão da Comunicação Digital e Mídias Sociais pela UniRitter. Solteira, romântica, sonha em casar vestida de branco e coleciona pastas de decorações do casamento no Pinterest. Gostaria de poder acreditar num mundo em que os seres humanos buscam terapia e evolução como prioridade.
“Sabe aquela máxima: sobre política, futebol e religião não se discute? Então em ‘Amor em Tempo de Cólera’ se faz necessário pelo menos observar as diferenças. É Importante ter maturidade e sabedoria para entender, mas não necessariamente concordar, aceitar ou aprová-las. Talvez respeitá-las e entender o sinal de alerta. Mas creio que definitivamente não vivemos uma boa época para os opostos se atraírem. O posicionamento político para mim, nesse momento, virou ‘ponto de corte’ na hora de uma aproximação, paquera ou relacionamento. Pode até rolar atração, mas levando em conta as demonstrações agressivas da polarização política, corremos sério risco de não rolar nada agradável. Portanto, tô fora!“
Flavia Aguirre Azambuja, 57 anos, Psicóloga, mãe, separada, dois casamentos, corredora pra lá de amadora, boa leitora, adora esportes, música e cinema.
“Desde a eleição do atual governo, minhas escolhas para o estabelecimento de relações sexuais-afetivas passaram e ser definidas pela orientação política, porque para mim é fundamental encontrar identificação com a outra pessoa. Identificação ideológica, de valores, e principalmente intelectual. Entendo que construir laços de intimidade com alguém precisa, necessariamente, de alinhamento político, uma vez que nunca foi tão importante nos posicionarmos politicamente como nos dias de hoje. A política não é uma escolha, é uma consequência da vida em sociedade. Podemos não gostar, podemos tentar ignorar ou fechar os olhos para ela, mas estaremos vivendo a política quando vamos à mercearia comprar o pão do café da manhã. Para escolher alguém para dividir a vida, seja toda, seja parte curta dela, pra mim, é indispensável posicionamento ideológico semelhante.
Em aplicativos de relacionamento, deixei essa questão muito clara. Não me relaciono com pessoas que apoiam o atual governo. Já era uma questão antes da pandemia, hoje em dia, então, muito mais.
Nas minhas experiências mais recentes, pensando de dois anos pra cá, não encontrei muita dificuldade em perceber logo de início o perfil ideológico da outra parte, e não acho que a polarização política tenha dificultado a busca por um par. Entendo apenas como uma transformação no modo de compreensão das escolhas para o estabelecimento das relações. Adicionei um critério cuja importância não me era tão clara. Talvez, num futuro não muito distante, cheguemos à conclusão de que ao menos isso pudemos tirar de proveito de todo esse caos: que faltava esse filtro, tão óbvio, mas que somente tamanho obscurantismo foi capaz de clarificá-lo.”
Camila Cabrera, 40 anos, Jornalista. Pisciana, solteira, sonhadora, praiana e firme nos seus ideais. Passou por um relacionamento de oito anos em que morava junto, antes da solteirice.
“Eu optei por não ter relacionamento após minha separação, pois meus filhos tinham 2 e 5 anos e decidi cuidar exclusivamente deles. Hoje, com eles grandes, eu penso em ter um relacionamento para casar, não quero relacionamentos para matar tempo, quero um relacionamento sério, um companheiro.
Já era difícil ter um relacionamento quando era mais nova, hoje em dia está ainda mais difícil por causa das questões políticas. Conheço um casal, que está junto há muitos anos. Um é de esquerda e outro é de direita. Mas eles se casaram naquela época em que mal se falava de política. Hoje, vamos combinar que a situação está bem acalorada.
Sinceramente eu não acredito que pessoas com posicionamento muito opostos consigam conviver, pois vão viver brigando! Já temos as diferenças do dia a dia somadas a diferença política, agrava qualquer situação. Eu não teria condições de estar com alguém da esquerda, por exemplo. Meu posicionamento é muito claro em defender o atual governo. Mas acredito que alguém que esteja mais no centro eu conseguiria, pois existe mais diálogo. Expor o seu ponto e a pessoa ouvir é uma grande vantagem.”
Cristina Flores Stoll, 45 anos, é Analista Financeira. Virginiana tem dois filhos, Ágatha de 23 anos e Luka de 20 anos. Seu relacionamento durou 6 anos e faz 18 anos que está solteira.