As palavras definitivas

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Há pessoas em quem as palavras batem fundo. Não tenho ideia do porquê. Sou uma delas.

Sabem  aquele momento em que o médico analisa um exame, e tu, na frente dele, a cara olhando para a África, entrando em cidades em guerra, se oferecendo para rituais sangrentos? E, senhores, 400 mil anos de sabedoria, de atitude, estão estampados naquele rosto silencioso, impassível, os olhos se mexem milimetricamente naquele pequeno papel de letras minúsculas e, céus, ele levanta a cabeça e te diz como será teu futuro a partir daquele segundo.

Fico pensando em que cara teria Hipócrates. Que corpo? Como ele inspirou, ou deixou de inspirar toda essa montanha de homens e mulheres que decidem nossa vida em instantes? Em segundos, a vida se torna a maior batalha vivida por Napoleão.

Escrevo porque vivi isso há pouco tempo e tenho tido relato de mulheres de 30 a 60 anos com diagnóstico de câncer de mama, e o suplício que é tudo isso. Não, não tenho nada. Está tudo bem. Mas, nessa vivência, eu vi como as palavras são importantes quando ditas com sentido, na hora certa. Quando me foi pedido mamo e ecografia, porque havia sinais de alterações nos tecidos, olhei para a médica que fazia a eco e me detive em cada parte de seu rosto. Busquei cara de espanto, contrações nos olhos, boca contraída. Nada. E, então, perguntei se estava tudo bem. Ela respondeu: “A princípio, sim…”.

Ma che, dio santo, falar para uma italiana, em que tudo vibra à flor da pele, e me tacar um “a princípio”? Ah não, violão, vem cá! Minha ginecologista sugeriu uma mastologista. Uma mocinha linda que me disse algo parecido com “a princípio”. Sou pessoa de princípios, tá? Mas, tchê, é a minha vida. Perguntei: de 1 a 100, qual o percentual de eu ter um câncer? Ela disse que não podia precisar. E eu ali, precisando. Aí resolvi: quer saber? Vou tocar a vida. Estou ótima, e isso faz tempo.

Escrevo porque duas mulheres me contaram, nos últimos dias: uma recebeu o pedido de ressonância dos seios pelo Whats, para “segurança”. A parte boa das meias palavras? Outra, com 38 anos, com câncer raro nos seios, e já o descobriu cheio de metástases, disse que a médica foi contando aos poucos a gravidade da situação. Hoje, ao olhar para trás, ela viu que, se soubesse tudo antes, teria formado um quadro terrível na cabeça, devastador. As palavras são definidoras e definitivas.

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