O que me chamou a atenção, assim de cara, quando vi a Daphne Constantinopolos pela primeira vez foram os olhos. E o jeito que ela olha firme para a pessoa com quem está falando. E não é intimidante, não. É como se ela quisesse guardar em uma biblioteca da memória o que ela está apreendendo. Os olhos giram como caleidoscópio juntando os sons, o ritmo e a cadência das palavras. E ela ri. E o rosto se abre. E, então, eu vi os cabelos e fiquei bege. Era o cabelo que eu sempre sonhei ter. E a Dahpne é gorda. Não, não é gordinha. É gorda mesmo. E incrível não é o que se enxerga de imediato. Em um mundo onde os corpos das mulheres são tratados como rascunho que precisa ser eternamente passado a limpo, Daph, como a chamamos, inaugurou-se na própria passarela. Antes de ser moda todo esse movimento de liberação do corpo. E dá um banho na galerinha louca por corpos sarados. E é verdadeiro. Porque ela guarda um jeitinho de guria ingênua. Mas, não se iludam. Essa é uma parte desse carrossel iluminado e vibrante. Com vocês, a grega Daph.
Fátima Torri
Amo escrever. Sempre fui boa com as palavras e gostei de me expressar através delas. Mas quando é pra falar sobre a gente, parece que elas tendem a escapar. Quando a Fala Feminina me convidou para trazer um pouco da minha visão de mundo por aqui, fiquei lisonjeada com o convite, mas ao mesmo tempo pensei: quem sou eu pra assumir esse papel de protagonismo… Aquele eterno sentimento de síndrome do impostor que a maioria das mulheres foi condicionada a acreditar como verdade.
Mas chega de divagar. Vamos aos pensamentos que me foram pedidos.
Eu sou a Daphne Constantinopolos, mulher, ariana, gorda, jornalista, solteira, amiga, ex-advogada, mestre, filha, criadora de conteúdo… ufa! Mil e uma características podem me descrever. É a união de todas elas que traz a mágica de ser eu mesma. Uma mulher em eterna evolução que busca inspirar outras mulheres a serem mais livres e autoconfiantes através de conteúdos na internet. Mas nem sempre fui assim.
Na infância, eu era uma das meninas populares da turma. Amiga de todo mundo e cheia de ingenuidade. Nunca tive uma aparência padrão. Sempre fui baixinha, morena e mais gordinha que as minhas amigas. Hoje, olhando fotos dessa época, percebo que eu era muuuito magra, mas em comparação, me achava gorda. Fui crescendo, o corpo foi mudando e fui engordando aos poucos. Mas só percebi os reais impactos que essa característica física causaria na minha vida quando comecei a trabalhar com a internet.
Quando eu comecei a mostrar a minha vida na internet, através do meu blog Life as Daphne (hoje esquecido no churrasco, tadinho), achava que o meu papel seria compartilhar as coisas que eu mais amo com o mundo. Postava sobre moda e beleza com a inocência de quem achava que os padrões de beleza não teriam impacto no meu conteúdo. Que presente foi me aproximar do feminismo e das causas que hoje fazem parte do meu propósito com as redes sociais.
Ser uma mulher gorda que não usa apenas preto e roupas largas que escondem meu corpo é um ato político. Traz uma representatividade necessária que, mesmo com a evolução do discurso e a ampliação dos espaços dedicados à diversidade, ainda não atinge o mínimo. Entrar no shopping e encontrar apenas 1 marca especializada em moda plus size não é o mínimo. Mas já é uma evolução. Eu vou ficando feliz com essas migalhas, mas sigo aqui, pedindo por mais e mais.
Vejo o meu papel nas redes sociais como um grito de libertação dos padrões de beleza. Sempre fui ensinada a querer ser magra. Só assim seria bonita. E sei que a maioria das mulheres passou, e ainda passa, por isso. Não é fácil nem simples ser mulher né? São inúmeras as imposições, tanto estéticas quanto de escolhas de vida. Mas foi vendo mulheres parecidas comigo nas redes sociais, com corpos diversos, sendo felizes solteiras e sem filhos, que consegui entender que não era bem assim. Que eu posso ser bonita do meu jeito. Ser completa do meu jeito. Ser feliz do meu jeito. E isso é poderoso demais. Me fez deixar pra lá qualquer que seja a opinião das pessoas sobre mim e focar no que importa: a minha opinião sobre mim mesma. E é essa sensação de liberdade que tento passar para quem me segue.
Não quero ter filhos. Não me sinto na obrigação de ser magra. Nem loira. Nem milionária. Quero ser feliz sendo eu mesma. E sem precisar explicar e justificar porque escolho ser assim. Ninguém vê os homens tendo que explicar porque escolhem ser solteiros ou casados, chefes ou empregados. Mas nós mulheres temos que explicar todas as nossas escolhas o tempo todo. É exaustivo. Eu torço para que o meu espaço nas redes sociais leve cada vez mais liberdade para as mulheres, para que a gente consiga responder a esses questionamentos com um simples “porque eu quero”. E fim. Sem ter que traçar uma teoria feminista e anti-patriarcal toda vez que conseguimos escapar dos padrões que tentam nos impor. Ser quem você quer ser. É uma lição que todas as mulheres precisam internalizar.
É, sim, complexo ser uma mulher gorda que não veste preto e roupas largas, que não esconde o corpo, que posta foto de lingerie, que fala sobre ser solteira e não ser mãe, que mudou de profissão aos 30 anos e que, apesar (ou em razão) de tudo isso, é feliz. Mas é gratificante demais conseguir inspirar outras mulheres a serem quem são. E eu não pretendo abandonar esse papel tão cedo.