A reconstrução de um coração partido pelo luto

O diamante é considerado um dos cristais mais resistentes de toda a natureza.  Não por menos, é o elemento escolhido para nomear as bodas de 60 anos de casamento e que certamente representa a história de seis décadas de matrimônio de Doris e Rui Spohr. Em abril de 2019, aos 89 anos, ele partiu para outro plano e, diferente do diamante inquebrável que foi sua união, deixou Doris em pedaços. 

Aos 82 anos, a companheira de um dos ícones da moda no Rio Grande do Sul e referência de elegância para diversas gerações vive mais um dos recomeços de sua vida. Este, possivelmente o mais duro, tem sido compreensivelmente lento. Após pouco mais de um ano do falecimento de seu marido, ela ainda vive o luto que, segundo diz, será eterno. Somente agora tem conseguido voltar às atividades, participando de conversas em eventos e universidades, falando daquilo que fez parte dos últimos 60 anos: moda. À frente do Instituto Instituto Rui Spohr e integrante de entidades de classe do universo do estilo, ela se sente na obrigação de dar visibilidade ao legado do marido. 

Sua importância na alta-costura do RS fez com que além de ela ser a Doris do Rui, ele também fosse lembrado como o Rui da Doris. Responsável pela parte técnica e pela modelagem dos vestidos criados, foi Doris, por exemplo, quem desenvolveu o método de corte do ateliê conhecido como técnica do moulage (em que as peças são desenvolvidas já sobre um manequim, em três dimensões), que ajudou a badalar o nome de Rui. Após décadas de trabalho, o casal fechou em 2018 a tradicional loja no Rio Branco, assim como os atendimentos ao público. Foi um ano de grandes mudanças.

Doris no jardim que Rui cuidava com amor, com uma de suas cachorrinhas Pois que faz dupla com a Petit.

A história dos dois é lembrada com muito carinho. “Eu já tinha aprendido corte e costura e buscava um trabalho. Fui incentivada por uma madrinha, que me disse que havia um rapaz de Novo Hamburgo ligado à moda que precisava de uma secretária”, revela. Ela conta que quando chegou para conversar com o “futuro empregador”, encontrou uma pessoa bem diferente do que imaginava. “Quando cheguei, ele não estava, então decidir sentar e esperar no sofá. Quando fiquei sabendo que ele era de Novo Hamburgo, imaginei um alemão, loiro, mas aí me chega, um moreno, cabelo preto e de óculos”, disse. “Comecei a trabalhar como secretária, e as coisas foram acontecendo e dois anos depois nos casamos. A gente acabou se completando”, resumiu. 

Em sua biografia, Memórias Alinhavadas (Editora Artes e Ofícios, 1997), escrita em parceria com Beatriz Viégas-Farias, Rui descreveu a esposa com admiração: “Enxerguei nela aquilo que tem dentro de si e que vai além da aparência, além de ela ser para mim uma figura extremamente agradável. É uma mulher elegante, chique e com gestos bonitos. Isso nela é inato: o extremo capricho com as coisas, o ser e estar sempre bem arrumada. (…) Meu sogro era um homem bonito, simples, mas de hábitos finos, muito educado, honestíssimo consigo mesmo, fala mansa, a finesse em pessoa – e Doris é assim, em tudo puxou o pai”.

Ela, por sua vez, o define como “uma pessoa incrível, um pai e avô carinhoso, um marido gentil e presente”. Doris e Rui Spohr tiveram Maria Paula, filha única, que os presenteou com a neta Antonia Spohr Moro. “Apesar de estar vivendo um luto, tenho de reconhecer que  sou uma pessoa privilegiada por ter vivido tanto tempo ao lado de uma alguém excepcional, com o qual fui muito feliz e formei uma linda família”, conclui Doris. 

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