Se a roupa não nos define totalmente, é por meio dela que expomos sentimentos, estados de espírito e intenções. A moda veste tempos e costumes, para o bem e para o mal. Caracterizou opressões e revoluções e, ainda hoje, imprime ideias e posicionamentos.
Conversamos com quatro mulheres que, além de consumir moda, dedicaram suas carreiras profissionais a produzi-la, fazendo de cada peça uma realização pessoal, acompanhando tendências e, sobretudo, fazendo de cada criação um objeto de alegria e confiança, porque o que nunca sai de moda é o desejo de ser feliz.
O sonho de infância que moldou o sucesso na moda
Adriana Kavietz conta como levou adiante uma vocação inata e a transformou num ateliê de alta costura reconhecido no Brasil
“Não tive escolha, a moda me escolheu.”
A vida profissional de Adriana Kavietz teve um ponto inicial. Um ponto mesmo. De linha e agulha. Ela não sabia, mas quando criança, entre brincadeiras e curiosidades da infância, costurava uma vocação que se sobreporia até mesmo à tradição agrícola da família, que se sustentava pelo trabalho na terra na região missioneira do Rio Grande do Sul.
A diversão preferida era cortar, remendar retalhos, alinhavar do jeito que desse um pedaço de tecido ou mesmo de estopa. Se faltasse o material para o feitio, resolvia os modelitos das bonecas com folhas e flores. Pelas mãos de Adriana, as Barbies ganhavam saias de flores, costuradas com espinhos de laranjeira que serviam de agulha, e o ateliê era na calçada mesmo, onde as amigas desfilavam as peças exclusivas criadas pela imaginação infantil.
– Não tive escolha, a moda me escolheu. Minha vida toda foi relacionada a isso, nem sabia o que era moda e já fazia – conta.
A infância foi ficando para trás, mas o prazer pela moda seguiu na idade adulta. Autodidata, Adriana foi combinando o gosto pela moda com a persistência no aprendizado. Trabalhou por um tempo em uma confecção em Porto Alegre, cidade para onde se mudou com 15 anos. A rescisão do contrato de trabalho garantiu os recursos para que ela apostasse no negócio próprio. Abriu, na garagem, seu primeiro ateliê. Comprou máquinas e, ao mesmo tempo, dedicou-se a um curso de estilismo em confecção industrial do Senai, uma base importante para o que construiria: um ateliê de moda requintado, com peças exclusiva e com a qualidade certificada pela própria dona.
Hoje, o ateliê, que leva seu nome e tem as irmãs de Adriana como integrantes da equipe, é reconhecido por produtos de alto padrão, em que simplicidade e bom acabamento dão o tom das coleções.
– A roupa não pode ser algo que tem em qualquer lugar. Quero sempre um produto mais selecionado. – revela.
Para manter o padrão que exige no que faz, a estilista desenha pessoalmente as roupas, mas considera as opiniões e demandas das clientes, sempre como forma de aprimorar o que oferece. Quando Adriana percebeu que o vestir-se bem modifica estados de espírito e posturas, o trabalho e a dedicação ao ateliê deixaram de ser somente a realização de um sonho de infância. São parte da realização de outras pessoas. E isso não é brincadeira de bonecas.
– Quero que vistam (minhas peças) e se sintam lindas!
Cordão umbilical ligado à moda
Seguindo os passos da mãe, Juliana Pereira faz um caminho apaixonado na moda, criando peças que transparecem emoção
“Beleza e moda sempre estiveram no ar que a gente respirava”
O ambiente em que Juliana Pereira cresceu sempre esteve impregnado de moda. A mãe, a estilista Neusinha Pereira, encarregou-se disso, mas, mesmo assim, até muito jovem, ela não havia optado pelo mesmo caminho de sua genitora. Foi já com 20 anos, quase finalizando o curso de Turismo, que a vida fez um caminho que, pode-se dizer, estava premeditado. A faculdade escolhida não se mostrava muito atraente como uma profissão a ser seguida, e a vontade de combinar prazer e trabalho começou a falar mais alto. Não faltaram reflexões e dúvidas a respeito do futuro.
-Queria ser feliz no meu trabalho. Então eu pensei “O que eu amo fazer? Moda! Então vamos lá” – relembra.
Decisão tomada, era hora de colocar em prática. Para Juliana, não bastava ter domínio de uma etapa da criação dos modelos, ela queria entender todo o processo, desde a concepção das peças, passando pela modelagem, costura, tudo. De forrar botão a ajustar os últimos detalhes, para a estilista sempre foi importante conhecer todas as pontas. Neste ponto, o fato de ter a mãe como referência ajudou bastante, porque o ateliê de Neusinha virou uma espécie de laboratório prático dos projetos.
– Claro que ela teve uma influência direta na minha escolha. Beleza e moda sempre estiveram no ar que a gente respirava – conta.
Apesar das influências da mãe, Juliana foi buscando sua própria identidade, apostando num trabalho muito instintivo e inovador. Abriu uma loja no bairro Moinhos de Vento com a proposta de criar coleções que estivessem nas ruas, mas com peças diferenciadas. As flores passaram a ser o DNA da marca já na proposta de coleções mais casuais. Com o tempo, a alta costura falou mais alto.
A procura por vestidos de festa aumentou entre as clientes, e a estilista precisou dividir um espaço com a mãe para dar conta da demanda. Mas Juliana queria um ateliê que abarcasse todo o processo, que a cliente pudesse ver de perto como nascia cada vestido, do croqui às provas. Foi assim que Juliana criou o espaço onde hoje trabalha, no bairro Boa Vista. A proposta da estilista não é criar modelos sem conexão com as pessoas. Por isso, entre as tantas perguntas que costuma fazer às clientes é como ela se sente naquela peça.
– A pessoa tem de sentir que aquela peça é dela. Um vestido é emoção! – resume.
A tendência é empoderar
Eduarda Galvani aposta na tecnologia e nas novas tendências para fzer da moda uma ferramenta de fortalecimento feminino
“Não é a roupa em si, mas o que se passa quando se está vestindo uma roupa.”
Eduarda Galvani trilhou o caminho da moda influenciada pelos afetos das memórias, especialmente da avó Celina, que mantinha um ateliê de tingimentos e se dedicava a trabalhos artesanais. Cresceu entre tintas e cores. Aos 15 anos, desenhou o próprio vestido de debutantes, costurado pela avó. Era o prelúdio de uma vida dedicada à alta costura.
Aos 31 anos, ela já celebra uma trajetória muito bem sucedida na moda, que começou num ateliê improvisado no quarto do irmão, que havia saído da casa dos pais para morar fora. Atualmente, ela está à frente de três negócios, combinando inovação, originalidade e tecnologia.
Formada em Design de Moda pela London College of Fashion e pelo IPA Metodista, Eduarda foi escolhida Forbes Under 30 em 2020, sendo a primeira estilista gaúcha a receber um prêmio como esse. E parar não é algo que combina com a rotina de Eduarda. A designer e empresária acaba de desembarcar de um curso em uma das melhores universidades de design e moda do mundo, a Parsons School of Design, nos Estados Unidos, trazendo novidades e novas inspirações para seus negócios e criações.
– A moda hoje vem muito para empoderar. Não é a roupa em si, mas o que se passa quando se está vestindo uma roupa – diz.
Entusiasta do setor, Eduarda tem apostado no e-commerce, mas mantendo o rigor nos acabamentos, cortes e modelagens. Tudo é acompanhado de perto pela designer de moda, sempre de olho nas tendências e necessidades. Tanto que no mercado virtual, ela disponibiliza duas tabelas de medidas, para que mais mulheres, de diferentes corpos, possam usufruir e comprar as peças. A confiança das mulheres em seus próprios potenciais tem sido uma fonte de inspiração nas coleções, explica, o que tem ampliado a diversidade de cores, recortes e tecidos. Eduarda não vê outro caminho para a moda se não aquele que valorize a mulher real:
– Essa mulher é autêntica, forte, e quer que isso esteja nas coleções. Ela quer uma sensualidade mais contemporânea e não tão óbvia. E isso a gente traz para as roupas. A beleza do natural é melhor do que qualquer outra coisa.
A tendência é vestir consciência ambiental
Carina Brendler combina sustentabilidade, educação e estilo para ampliar conceitos de eco clothing e economia criativa
“Aprendi a me vestir com peças que têm uma historia.”
Sustentabilidade não é só uma modinha passageira. Pelo menos não para Carina Brendler que apostou suas fichas na eco clothing e hoje é uma referência em Porto Alegre em moda com responsabilidade ambiental. Moda e preocupação com a natureza sempre caminharam juntas na vida de Carina, em parte pelos laços familiares no interior – ela nasceu em Porto Alegre, mas passava as férias na casa dos avós, em Ijuí, onde via a avó costurar -, mas também por uma tendência quase inata de criar e se desafiar entre tecidos, botões, acessórios e fitas.
– Eu queria ser cabeleireira, cantora, apresentadora de TV, mas adorava brincar de fantasia. A verdade é que de tudo que eu queria ser, o dom se manifestou mesmo na costura – diverte-se.
Carina se dedica a criar peças a partir de outras, ou a tirar do nada um modelito exclusivo, mas usando materiais reaproveitados, como botões, fechos, bordados e tecidos. Essa ideia surgiu quando ela começou a perceber que a moda tradicional produzia muitos resíduos, mas que isso não parecia preocupar a maioria das pessoas. Há Ito anos, ela mantém sua própria marca, levando em conta os conceitos de moda sustentável, inclusive para peças em que muita gente nem imagina que isso seja possível, como vestidos de festa.
– Sustentável não é algo só “bicho-grilo”, branco e bege. Pode ter cor, bordados, tudo. Você nem percebe que é uma peça feita a partir de reaproveitamento – diz.
A pandemia que reduziu o movimento no ateliê, fez com que ela voltasse o olhar para outra paixão, a de ensinar. Assim, criou uma série de cursos para levar dicas e técnicas a quem também busca uma moda mais alinhada com as necessidades ambientais. Carina garimpa em brechós e feiras e customiza quase todos os tipos de roupas. Tudo se reaproveita com criatividade e bom gosto. Para ela, outro tipo de moda não tem mais lugar no guarda-roupa.
– Meu sonho era ser a Channel versão 2025, mas tenho mudado isso. Quero ensinar as pessoas a transformar suas roupas. Aprendi a me vestir com peças que têm uma história.
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