Minha ideia era abrir espaço na Fala Feminina para mulheres que criaram coragem de mostrar ao mundo um talento até então guardado na gaveta. Que assumiram o tesão pela costura de palavras, pelas composições de versos e histórias e publicaram seus livros. E haja brio e garbo para se assumir escritora em um país onde 70% das obras lançadas são de homens brancos.
Numa das minhas incursões em histórias boas, me deparei com a de Marina Solé Pagot, uma jovem de 19 anos, natural de Bento Gonçalves. Mas ela não é um talento se revelando, é uma escritora já alçando voos rasantes pelo RS. Um fenômeno. É uma menina-mulher que escreve fantasias, crônicas e contos, e tem quatro livros já publicados. Marina, que cursa Escrita Criativa na PUCRS, foi Patrona da Feira do Livro de Carlos Barbosa em 2019 e tem uma cadeira na Academia de Letras Machado de Assis de Porto Alegre. Em 2020, publicou um conto-jogo no aplicativo Reden e, agora, em 2021, terá um livro publicado pela CASA Projetos Literários, da qual é uma autora agenciada.
Diante de uma trajetória dessas e tão pouca idade, pasmei. Talento nos encanta, nos emociona e surpreende, quando se releva ainda cedo, então, nos tira os butiás do bolso! Coisa boa perder meus butiás com histórias como a dela! Compartilho com vocês um relato de Marina, que adora o espanhol Zafón – que tem entre seus melhores livros um com o nome dela –. Deixa que digam, que pensem e que falem, Marina. Mostre a que veio, enquanto menina ou enquanto mulher. Nunca perca a imaginação e a coragem.
Fátima Torri, editora
“Comecei a escrever muito nova: quando tinha 12 anos fiz meu primeiro livro, ‘Coração de Obsidiana’, na necessidade de colocar no papel as ideias que relampejavam na minha mente. Acho que isso foi de tanto ter minha imaginação alimentada pelos meus pais que a cada pouco inventavam novas e maravilhosas histórias fantásticas para sua filha única. Talvez essa coisa de contar histórias sempre esteve dentro de mim, porque, quando terminei meu primeiro livro, eu escrevi outro, e outro, e outro, até que consegui publicar meus quatro livros de forma independente, graças ao apoio dos meus pais e do meu padrinho literário, Diogo Guerra. Desde 2017 – ano do lançamento do meu primeiro livro –, já fui convidada para ser Patrona da Feira do Livro de Carlos Barbosa, São José do Sul, Sapucaia do Sul e da Semana Literária da Biblioteca Pública Municipal de Farroupilha, conversei com adolescentes em diferentes cidades da Serra Gaúcha, me formei no Ensino Médio, morei 8 meses na Itália em meio à pandemia e voltei para minha terrinha, Carlos Barbosa. Atualmente, estou cursando Escrita Criativa na PUCRS e vejo o longo caminho que ainda devo trilhar para me tornar uma escritora de sucesso, apesar de já ter outro livro a caminho, com uma editora. Colocando todos esses feitos – e mais outros, já que qualquer pequena conquista é uma grande conquista para mim –, vejo a felicidade em poder ter experienciado tudo isso.
Uma menina, qual a probabilidade de ter escrito um livro grande e decente? O que essa criança pode ter escrito senão algo frágil e imaturo? E, morando no interior, pode ter certeza, as pessoas falam, e como falam! Algumas dessas falas levam a caminhos magníficos – como ter conhecido o Diogo Guerra e, dois anos mais tarde, ter sido convidada para ser Patrona da Feira do Livro –; entretanto, muitas delas ainda estão carregadas de ceticismo, que não vem só do ‘ser mulher’, mas também do ‘ser jovem’.
A verdade é que, felizmente, nunca esperei que as pessoas vissem algo específico em mim, por mais que eu sempre tenha compreendido o peso das impressões.
Alguns me veem como prodígio, outros me veem como uma menina que deu sorte. Não quero ser nem um, nem outro. Não quero o fardo de um prodígio e não quero o descaso da minha dedicação que vem com a sorte. Desde criança, visitando a Feira do Livro, eu via apenas homens adultos vindo falar de seus livros, de suas histórias e de toda sua longa formação. Por isso, ao ter sido convidada como Patrona, a importância daquele título caiu sobre mim e eu o abracei com orgulho e honra. Aquilo foi um sinal de que eu não estava sendo vista apenas como menina ou apenas como prodígio, mas como responsável o suficiente para representar o que eu era: jovem e mulher.
Admito que eu nunca soube como me identificar: ‘mulher’ soa muito grandioso e imponente para mim, e ‘menina’ representa alguém muito distante e inocente que existe apenas no fundo do meu coração. Por isso, o maior desafio para mim sempre foi o de compreender essa linha tênue entre um e outro e esse provavelmente é, também, o desafio das outras pessoas.
Tive a incrível oportunidade de passar um tempo na Itália – mesmo que tenha sido durante o ano de 2020 – e sentir na pele como é morar em uma cidade longe de tudo que sempre conheci e onde ninguém sabe quem eu sou. Aqui, em Barbosa, todo mundo meio que me conhece, então esse choque de ir para um lugar onde eu não era a Marina e apenas uma menina (ou mulher) qualquer foi impressionante. Embora tenha sido uma sensação única, retornar para onde eu posso dar uma volta no centro e conversar com mais de cinco pessoas naquele curto espaço de tempo é uma das coisas que eu amo. É, eu sei, eu gosto de falar e gosto que as pessoas me conheçam.
Essa vontade de que as pessoas falem e saibam quem é a Marina, deve vir do grande sonho da maior parte dos escritores, aquele que é óbvio e vive diariamente na mente de cada um: ser conhecida e reconhecida pelo meu trabalho, pela minha escrita, pelas minhas histórias. Eu acredito já ser o tipo de escritora que quero ser – meus pais sempre dizem que eu tenho que parar de responder ‘quero ser escritora’ e afirmar com todas as letras ‘eu sou escritora’. Sou ambiciosa, mas sei qual o meu lugar e sei que devo melhorar e aprender muito ainda. E, sim, o sonho de ser a Marina, a escritora, vai ser difícil de ser realizado, mas eu sei também que todas as vezes que alguém vem me dizer ‘adorei tua história’, ‘tu me inspiras’, ‘te admiro’, ‘quero muito o próximo livro’, e todas as suas variantes, sou encorajada em continuar nesse caminho. E, se eu me dedicar bastante, segundo o Diogo Guerra, em alguns anos vou ter meu nome na Calçada da Fama – espero que tu sejas meio vidente, Diogo.
É engraçado, porque, mesmo depois de ler e viver muito, ainda não tenho um escritor preferido, nem um modelo que me represente melhor – apesar de amar o Carlos Ruiz Zafón. Todavia, leio tanta coisa incrível de tanta gente que me envia textos e me pede dicas – e eu me sinto a escritora profissional, a braba da escrita – que eu acho injusto escolher um dentre tantos. Minhas preferências, meus gostos, minha escrita em si é formada das palavras escritas por amigos, colegas de faculdade, escritores famosos, escritores nem tão famosos e todos aqueles que se deixaram verter em páginas e chegaram até mim. É como eu digo no meu livro ‘Somos Todas as Cores’: nós somos um mosaico, feito de peças temporais e momentâneas que nos moldam, e cada coisa que vivemos constitui o que e quem somos.
E então: menina ou mulher? Devo dizer que nem mesmo eu sei. Aos 19 anos, algumas vezes me sinto uma menina e, em outras, uma mulher. Já sofremos com o significado do ‘ser mulher’ na sociedade e não quero que minha escrita sofra também com o dilema de ‘ser jovem demais’ aos olhos de quem me lê. Portanto, a Marina é ambos – menina e mulher, jovem e adulta. Mas prefiro ser conhecida simplesmente como escritora.”
Publicações:
Coração de Obsidiana – Os Três Escolhidos (2017)
O Cavaleiro Branco – Os Três Escolhidos (2018)
Reino de Memórias – Os Três Escolhidos (2018)
Somos Todas as Cores (2019)
Nero e Agripina: Cor Ingratus – conto-jogo no aplicativo Reden (2020)
Futuras publicações:
As Ruínas da Rainha (2021)
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