Atenção, mulheres! Chegaram aos 60? Maravilha, estamos vivas! Quer dizer, maravilha nada. Estamos doentes, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Não adianta ser sarada, começar uma nova vida, cuidar da saúde e da alimentação. A partir de primeiro de janeiro de 2022, está decretada a sua doença se tiver chegado aos 60.
O mundo enlouqueceu? Faz tempo! O termo velhice vai constar na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, o CID, um guia de doenças seguido por médicos do mundo inteiro. O Brasil, segundo o Conselho Nacional de Saúde, foi contra. Porque favorece o preconceito contra a velhice. E não leva em conta a “nova velhice”. Homens e mulheres atuantes. Imaginem, Chico Buarque está doente há quantas décadas, com seus 80 anos? Jane Fonda! Tudo doente!
E, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul do mundo, quatro mulheres incríveis que inauguraram essa Fala Feminina, em setembro de 2020, têm a saúde das pessoas sábias. A saúde alegre das que contribuíram, e contribuem, para um mundo melhor: Tania Carvalho, Zoravia Bettiol, Lya Luft e a esfuziante e MUITO saudável Esther Grossi.
Reproduzimos, aqui, a matéria sobre elas, que trata sobre velhice.
E também a incrível Marianita Linck, que passou da primeira fase dos 90 anos, uma ceramista que construiu uma reputação irretocável, no Brasil e no exterior.
Me digam aí, essas mulheres estão doentes??? Só rindo!
Tânia Carvalho
Uma voz tem som, timbre e sotaque e nos remete a familiaridade. Uma voz representa alegria, conhecimento e cultura. Também traz a gargalhada e o tom amigo. Uma voz manifesta vivacidade e personalidade marcante. E pode trazer referências de nossa própria história. Para uma geração de gaúchos, uma voz também representa um nome e uma pessoa memorável: Tânia Carvalho.
Jornalista por vivência e coração, Tânia atuou como comunicadora por mais de 40 anos. Foi a primeira apresentadora do Jornal do Almoço na antiga TV Gaúcha, além de âncora de diversos programas de televisão e de rádio. A menina que disparava para atender o telefone sempre teve a comunicação correndo nas veias. “Alô, aqui é 842, casa das Teixeira de Carvalho.”
Leitora voraz e capricorniana com ascendente em capricórnio e lua em leão, é – nas suas palavras – bem exibida. Em sua casa, no bairro Moinhos de Vento em Porto Alegre, encontrou a tranquilidade para caminhar pelas ruas, cuidar das plantas, organizar a biblioteca e as obras de arte e receber filhos e netos. Este é, no entanto, um sossego que nunca refletiu nem reflete a sua alma que gosta de mudança e de agito por natureza.
Liberdade de ser quem é
Nos últimos anos, Tânia adotou a liberdade de ser quem acredita que é, especialmente frente ao espelho. Assumiu os cabelos brancos e abraçou a própria jornada. “Estou feliz assim. Vivi uma vida tão boa, plena e maravilhosa. Me deixem, né?”, declara com as brincadeiras e leveza que lhe são habituais.
Segundo ela, a velhice é a libertação. “O velho pode tudo. É uma coisa maravilhosa. Posso tudo hoje aos meus 77 anos. Assim como deixei o meu cabelo branco, porque queria me ver livre da tintura e da raiz, voltei a ser quem eu sempre fui. Com a minha cor natural, com o meu jeito”, declara. A vontade de assumir a própria identidade e, ao mesmo tempo, se diferenciar dos demais com naturalidade.
Zoravia Bettiol
Artista visual múltipla, Zoravia Bettiol é focada em todas as manifestações da arte e da natureza. “Eu vejo que as duas coisas me ajudam muito”, confessa, ornada com joias de sua própria criação e entre gravuras de sua produção mais recente. Há flores, pássaros e borboletas em muitas delas, e também em boa parte de sua vasta obra, que inclui ainda desenho, pintura, objetos, tapeçaria, ornatos, instalações, performances – tudo o que possa ser considerado arte.
Se a técnica é variada, passando também pela colagem e pela fotografia como ponto de partida, a temática não tem limites. Começa nas origens europeias da artista, percebida no seu lado mais acadêmico, com a representação de mitos, fábulas, lendas, referências bíblicas, personagens de quadrinhos. Amplia-se com o fascínio pelas culturas negra, com sua predileção por orixás, e indígena, com artes têxteis inspiradas no meio ambiente, que elegeu como uma de suas bandeiras de vida.
Em todas elas, arte e natureza andam juntas, como nas madressilvas, que tanto admira. “Sempre gostei de morar em casa”, diz a artista. “Cada dia, quando amanheço, olho pro jardim e, se vejo flores, se vejo árvores, se vejo pássaros, isso já me prepara pra ser feliz.”
Vivendo a vida
Zoravia não aceita o conformismo de quem para no tempo. “Tem muita gente que se aposenta de uma profissão e se aposenta na vida. Daí, fica vendo televisão, dizendo: ‘Ninguém me ama, ninguém me quer, meus filhos não me telefonam’. Mas a pessoa não toma nenhuma iniciativa de telefonar pros filhos, de rever antigos amigos ou de fazer novos, né, não faz. Então, se aposenta da vida, né, já morreu”.
Habituada a estar com pessoas antes das mudanças impostas pelo novo coronavírus, a artista sempre circulou com pessoas mais jovens, por uma razão muito simples. Na minha idade, é assim: ‘Não, tá me doendo alguma coisa’. ‘Não saio mais à noite’. ‘Não, é perigoso’. ‘Não, não tenho vontade’. Eu não quero ouvir essas conversas. Telefono uma vez ou duas, e tchau. Porque viver é perigoso, dá trabalho. Mas sinto que eu perturbo a vida da pessoa, e eu não quero isso. Então, tu tens que ver quem combina contigo”.
Lya Luft
Entre um afago nas cachorras e um olhar amoroso para a profusão de fotos dos filhos e netos, o rio do tempo de uma das maiores escritoras brasileiras corre sem pressa.
Diante do pequeno esplendor da natureza que se revela nas plantas que ornam sua casa em Porto Alegre ou no exuberante jardim que cultiva em Gramado, Lya Luft contempla. Sente na alma o vento que faz balançar os ramos das árvores e, assim, compreende. Reflete. Entre um afago nas cachorras Penélope e Melanie e um olhar amoroso para a profusão de fotos dos filhos e netos, o rio do tempo de uma das maiores escritoras brasileiras corre sem pressa.
Na companhia do marido, Vicente, e de uma taça cujo conteúdo pode variar entre guaraná, gim tônica ou vinho branco, ela recebe a velhice com naturalidade. Aos 81 anos, vive o momento exatamente como quer vivê-lo.
“É claro que se eu tivesse a cabeça de hoje quando mais jovem, teria sofrido menos, teria feito sofrer menos. Mas, por outro lado, são coisas da vida por que eu tinha que passar. Na real, quero ter 81 anos com a cabeça de 81. Quem acha que ter 81 anos é ter a cabeça boba tem preconceito.”
Velhice faz parte da vida
“Em vez de curtir as novas formas de liberdade que o passar do tempo nos concede, vamos nos aprisionar no terror?”, questiona Lya em um trecho da obra O Tempo é um rio que corre, publicada em 2014. Com grande lirismo e delicadeza, o livro discute os sentimentos e transformações que chegam com os anos. Lya escolheu curtir a nova liberdade. “Velhice é uma coisa natural pra mim. Faz parte da vida”, diz, saboreando sem qualquer culpa um copo de refrigerante. Segundo ela, o mito da eterna beleza e juventude tem escravizado as mulheres, transformando a velhice em um terror. “Não tenho nada contra plástica, fiz lifting aos 50 anos. Mas as pessoas estão se enfeando, se mutilando. É uma coisa triste, é horrível”, lamenta.
Uma vida de trabalho e de busca por autonomia e independência levou Lya ao tranquilo desfrute daquilo que mais prezou: a quietude, o amor, a inteligência. Casada há quase 20 anos com o engenheiro de transporte aposentado Vicente Pereira, vive um amor que se revela uma boa amizade a cada dia. Curte os filhos e os netos com entrega, apesar de sentir falta de nenês, serezinhos insubstituíveis e preciosos para o convívio, de acordo com ela.
Depois de A casa inventada, seu 30º livro, que saiu em 2017, Lya Luft não publicou mais nada. Agora, em meio a tanta incerteza causada pela pandemia, planeja o lançamento de As coisas humanas, dedicado ao filho, André, que morreu em 2017 vítima de um problema cardíaco. Apesar de já ter convivido de perto com a morte – além de perder dois maridos, Lya também perdeu o pai a quem adorava aos 35 anos, e viu a mãe se apagar aos poucos na névoa do mal de Alzheimer –, foi com a partida de André que compreendeu mais profundamente o peso cruel da morte.
“Perder um filho é brutal, não tem cura, é horrível. Com o tempo, é como se ele tivesse nascido pra dentro de mim, eu sinto que ele está comigo. Mas isso tudo é literatura, a realidade é horrível.” Ao mesmo tempo, tem refletido sobre a vida. “Acredito que existe alguma coisa que se perpetua além da morte. A vida não é só nascer, crescer, trabalhar, fazer cocô, transar e cair num buraco.” Se teme a morte? Não. “Tenho medo é do sofrimento.”
Esther Grossi
Quando se rompe a barreira dos 80 anos, a tirania dos estereótipos da velhice reserva à vida descanso, resignação e até certa soberba. Como se entregasse aos velhos uma norma do viver o fim, além de uma teimosia caricata. Esther Pillar Grossi não seguiu essa etiqueta e, aos 84 anos, mantém uma rotina que até pouco tempo atrás incluía subir o Morro da Cruz, na periferia de Porto Alegre, para alfabetizar jovens e crianças pobres.
Esther ainda cozinha, namora, estuda, promove aulas públicas, escreve artigos e posiciona-se quanto aos rumos da Educação, área em que se tornou referência por conta de seus estudos em alfabetização e pelo desenvolvimento de teorias ligadas à aplicação do pós-construtivismo. Nem cansaço, nem resignação, nem soberba rondam a velhice de Esther, cuja saúde invejável é sintoma da vida propositiva e feliz que decidiu levar.
“Não tomo nenhum remédio. Acho que doença tem 50% de psicológico. Anos atrás, quando eu estava na secretaria (municipal) de Educação, levamos 13 crianças a Paris. Meu marido era médico (o pediatra Sérgio Grossi, falecido em 2015) e foi junto. Levou remédios por prevenção, mas nenhuma criança adoeceu. Quando voltamos, várias televisões entrevistaram os alunos. Perguntaram a um menorzinho se alguém havia adoecido. Lembro da carinha dele, surpreso com a pergunta. Aí, ele disse: ‘não, eu acho que quando a gente tá feliz não adoece’. É como eu estou”, diz.
Marianita Linck
Maria Annita Linck sempre foi considerada a artista da família. Enfeitar a casa para ocasiões especiais como Páscoa e Natal, fazer um pacote bonito de presente, era tudo com ela. Foi educada para ser boa dona de casa, ter prendas domésticas, casar e ter muitos filhos, como a mãe, que deu à luz a sete, contando com ela. Só que Maria Annita nasceu, na verdade, para ser Marianita, nome artístico que usava para assinar os trabalhos em cerâmica. Não teve filhos, não casou. Dedicou sete décadas à arte, viajou pelo mundo, lecionou, escreveu um livro, e hoje, aos 96 anos, desfruta da tranquilidade da missão cumprida. Vive só e independente por opção.
Dona da própria vida
Maria Anitta mora há 52 anos na mesma casa, desde que a mãe faleceu, no bairro Moinhos de Vento. Sobre o envelhecimento, ela se mostra tranquila e dá dicas para outras mulheres: “não é por ser solteira que tu és um trapo. A mulher tem que ter amor próprio, se valorizar. Mesmo se tu casas e tens filhos, tu tens que ter a tua vida particular.
Casar não é profissão, não te dá nada, a mulher dá tudo no casamento.
Então, o que dela, da imagem dela, do que tem no coração, o que fica? Amor, a gente deve ter sempre por tudo, pelos parentes, filhos, mas, primeiro de tudo tem que ter amor a Deus, amor à vida, respeito à vida e amor próprio. Isso te dá boa velhice. Se tu não tens isso sempre, na velhice tu te tornas dependente. Não podes perder a vaidade, a mulher envelhece quando perde a vaidade.”
Maria Anitta optou por não casar e nem ter filhos. “Eu fui noiva por quatro anos. Tinha feito 24 anos quando noivei, nessa época todo mundo estava noivo lá em casa. Mas, já não dava certo e eu dizia que não queria mais, até que um dia ele desmanchou e eu levei meio que um choque”, afirma. Sobre ter amado alguém, a resposta é não. Diz ter vivido apenas namoricos. A grande paixão de sua vida parece ser mesmo a arte.
E ela vive intensamente, há quase 10 décadas, dessa paixão.
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