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A natureza ainda é soberana

Camila Bessow é ginecologista e obstetra, esposa do Luciano e mãe do Miguel. Especialista em reprodução humana, ela se acostumou a ver no consultório o drama de mulheres que não conseguem engravidar. Por isso, deixou a natureza agir e tornou-se mãe aos 32. Atualmente, busca conciliar a maternidade com a vida profissional. E ela faz um alerta: quem quer ter filhos não deve esperar demais, pois, mesmo com os tratamentos de reprodução assistida, a idade da mulher ainda é o fator mais importante para o sucesso de uma gestação.

Ela nasceu em Uruguaiana e é filha de pecuaristas. Apesar do pouco estudo dos pais – nenhum deles chegou a completar o Ensino Médio –, batalharam do zero e conseguiram dar uma ótima vida para ela e sua irmã Marcia, 14 anos mais velha. “Depois de muitos anos tendo os sintomas clássicos, minha mãe descobriu que tinha ovários policísticos, então demorou muito para engravidar de mim. Naquela época, não se tinha muita informação nem tratamentos na nossa cidade”, conta. Esse fator, mais a perda do pai quando tinha somente cinco anos – vítima de um câncer de próstata –, foram determinantes para que Camila escolhesse a medicina como caminho profissional. 

Mas não foi fácil. Buscando maiores chances, ela decidiu cursar o último ano do colégio na capital. Após um ano de cursinho pré-vestibular, conquistou vaga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “A minha mãe praticamente se mudou para cá comigo, para eu conseguir estudar e ter uma vida tranquila nesse início. Com 16 anos, eu não sabia me virar. De Uruguaiana para Porto Alegre, é uma diferença importante de tamanho de cidade, então o apoio dela foi fundamental”, reconhece.

Caminhos trilhados na Medicina

“A ginecologia e obstetrícia sempre foram a minha primeira opção de especialidade, sempre me identifiquei muito com tudo relacionado à vida da mulher e a grande gama de possibilidades da gineco sempre me encantou”, recorda. “Nos últimos anos, acabei parando de fazer obstetrícia e me dedicando cada vez mais à reprodução, área que é uma das mais complexas da gineco, e é onde me sinto mais à vontade”, confessa Camila.

Durante a faculdade, ela conheceu o Luciano, e se casaram em 2019, quando Camila já tinha concluído a residência médica. “Éramos colegas. Estamos juntos há uns dez, 11 anos. Conheci um guri que foi amadurecendo e se tornou um grande homem”, conta. Hoje, o casal tem um filho, Miguel, de quase sete meses.

Chances de engravidar chegam a 5% ou menos ao redor dos 40

“Meu mundo sempre girou em torno de tornar possível a gestação das minhas pacientes! Em 2021, foi a minha vez de me tornar mãe, o que aprofundou ainda mais em mim a vontade de transmitir informações de qualidade para as mulheres, para que possam se cuidar mais e tomar boas decisões”, informa Camila. “A idade da mulher ainda é, e não existe como mudar isso, o fator mais importante nas taxas de sucesso, tanto numa gravidez espontânea quanto com os tratamentos de reprodução. Dos 20 aos 30 anos, seria biologicamente o momento ideal, com taxas de 20% ao mês. Depois disso, as chances vão caindo e chegam a 5% ou menos ao redor dos 40”, alerta a médica.

Tratamentos não são garantia de sucesso

Sobre os tratamentos de reprodução, Camila explica que há três alternativas. “Em ordem de complexidade, o primeiro é o coito programado. O segundo é a inseminação intrauterina, e o terceiro é a fertilização in vitro (FIV). Inicialmente, a gente faz a avaliação completa do casal, para entender o que está causando a infertilidade, porque podem ser vários fatores”, salienta. Na sequência, médica e pacientes definem juntos o tratamento mais adequado. “Em geral, pacientes com casos mais complexos só vão conseguir engravidar com a FIV. A grande diferença é que neste a gente forma o embrião no laboratório”, explica. “Tem que ter um embriologista responsável, há todo um custo de equipamento, de cultura. São tratamentos caros, sim”, admite ela. Camila explica que é feita a coleta dos óvulos da mulher e do sêmen do homem, ou busca-se um banco de sêmen quando as pacientes são homossexuais. Após observar o embrião por alguns dias, ele é colocado no útero da mulher. 

“Em geral, a gente coloca no máximo dois embriões, e os excedentes podem ser congelados, tanto para uma próxima tentativa, se a primeira não der certo – porque os tratamentos vão ter uma chance de no máximo 50% a cada tentativa –, quanto para um próximo filho em alguns anos”, reforça. “E se o casal decide não transferir mais nenhum, eles podem descartar embriões desde que tenham uma autorização judicial. Também é possível fazer a doação para outros casais, de forma anônima”, informa a especialista.

Dilemas éticos

Sobre a questão ética presente em seu trabalho, Camila conta que formar embriões e lidar com vidas é sempre um trabalho muito importante e um exercício de pensar se estão fazendo a coisa certa. “A gente tem uma grande responsabilidade de trazer ao mundo crianças que talvez não nasceriam espontaneamente. Nem sempre se seleciona geneticamente os embriões. Na maioria das pacientes, a gente transfere só pelo aspecto deles ao microscópio, sem fazer uma análise mais aprofundada. Então, ainda tem muita natureza agindo. De certa forma, a gente muda o rumo da história dessas famílias, mas não temos o controle total sobre a vida. A natureza ainda é soberana, e lidar com essa frustração do negativo é mais importante do que achar que se está fazendo o papel de Deus. Isso nos deixa com os pés no chão”, revela.

A decisão de não esperar demais

“Eu vejo diariamente muitos casais passando pela infertilidade, e sei como é difícil. Então, sempre tive medo de não conseguir engravidar e acabar precisando recorrer aos meus colegas de clínica. Hoje em dia, engravidar aos 32 anos parece supercedo. Nas décadas anteriores, era bem normal. Mas a nossa geração posterga cada vez mais e, infelizmente, vamos acabar convivendo com o aumento da infertilidade. Isso é uma realidade no mundo todo, no Brasil também”, lembra Camila. 

No entanto, ela deixa claro que a idade da mulher influencia na qualidade do óvulo e, consequentemente, na qualidade do embrião. “Talvez a única coisa que a gente possa fazer para mitigar um pouco essa questão seja o congelamento de óvulos, de preferência, na mulher antes dos 35 anos. Essa seria a única alternativa; não é perfeita, porque não existe sucesso total. Certeza é tentar engravidar e conseguir, e ter o bebê. O resto são alternativas”, destaca.

Não importa a idade, seu filho vai mudar sua vida

“Eu tento conversar com as minhas pacientes que estão ao redor dos 30 anos para que pensem no futuro reprodutivo delas e tomem as decisões corretas, e claro que não ter filhos também é uma opção. Mas a gente vê que às vezes as pacientes mudam de ideia ali aos 38, 39, 40 anos. E em alguns casos, já vai ser tarde demais”, ressalta. Camila fala sobre a importância do planejamento, do diálogo com o parceiro e da organização da vida. “A gente tenta se preparar o máximo possível para quando o filho chegar e, na verdade, aos 30, aos 40, aos 20, aos 45, não importa a nossa idade, teu filho vai mudar tua vida. Em muitos aspectos, vai ser uma mudança muito boa, e existem também os aspectos difíceis. Mas as mudanças vão vir. Não é ficando mais velha que a gente vai se preparar muito melhor”, declara.

“E ainda tem muita gente, tanto homens quanto mulheres, que pensam que a reprodução assistida vai resolver todos os problemas. Esses casais acabam se frustrando muito quando percebem que não existe certeza de gestação”, conta. “Existem limitações e fatores de risco, alguns podem ser modificáveis. Deveria ser uma questão básica de saúde entender um pouco sobre fertilidade. Infelizmente, ainda falta muito em termos de educação em saúde”, lamenta Camila.

Vida de médica e mãe

Em julho de 2021, quando estava com 34 semanas de gestação, até então supertranquila, Camila entrou em trabalho de parto, e seu filho nasceu prematuro, ficando internado na UTI neonatal por 23 dias. “Os mais sofridos da minha vida” ela relata. “O parto em si foi tranquilo. Mas a parte mais difícil foi não o levar para casa e não saber quando ele iria ficar 100% me trouxe muita ansiedade e insegurança”, afirma ela, revelando que a experiência também ensinou sobre ter mais paciência e resiliência.

“Meu desafio atual é conciliar o retorno ao trabalho com a maternidade e todas as outras facetas da minha vida. É um desafio diário. Tenho a sorte de ser profissional autônoma, então pude voltar mais gradualmente. Nos primeiros dias, o coraçãozinho ficou apertado, mas vai ficando mais fácil com o passar do tempo. Claro que chego em casa morrendo de saudade. Essa dualidade vai nos acompanhar sempre, e entendo que muitas mulheres largam o trabalho por não conseguir conciliar. Existem empresas também que não têm nenhum cuidado com essa volta, então sou uma privilegiada de poder ter voltado aos poucos”, relata.

Camila conta com uma grande rede de apoio, formada pela mãe, pela sogra e, mais recentemente, também por uma babá. “Acho que a babá vai ser bem importante, porque daqui a pouco ele vai engatinhar, caminhar, e eu sei que vai ficar cada vez mais cansativo para quem está com ele enquanto eu estou trabalhando. E o meu marido, apesar de trabalhar muito, sempre que possível fica com o Miguel. Minha rede é ótima e com certeza seria muito difícil sem eles”, encerra a médica.

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